A dor se torna obscura quando a alma não encontra mais saída.
A vida tornou-se sem sentido para Helena à partir daquela noite.Quando chegou em casa,chorando e com o medo em cada parte do seu corpo,não sabia o que fazer.Entrou pela janela e de maneira sorrateira e tentando não fazer barulho foi para cama.Debaixo de seu cobertor queria esconder-se do mundo,fugir do que viu,fugir do irmão.Ficou olhando fixamente para janela,temendo que o mesmo voltasse para o quarto,mas não aconteceu.Sem querer,pegou no sono,não como uma criança que dorme depois de um dia de diversão,mas como alguém que cede ao cansaço do coração.
No dia seguinte,ao acordar observou que a cama de Philip estava do mesmo jeito,com o lençol azul e o travesseiro com estampa de pandas.Ela sentiu naquele momento uma dor inexplicável,como se na noite anterior tivesse perdido seu irmão para sempre,e na verdade,ela estava certa...
Ao descer as escadas levou um susto;Philip estava sentado à mesa terminando o café da manhã,com o uniforme cinza da escola da região e um olhar tão tranquilo como o de alguém que acorda disposto a ter um bom dia.Ficou alguns instantes o observando de longe,questionando-se se aquele era o mesmo da noite anterior,o que matou uma criança inocente e parecia mais um monstro do que alguém com seu sangue.Se afastou da mesa e seguiu para a porta,quando ele o questionou:
-Helena,não vai tomar café antes de ir para a escola?
Ela o olhou de volta e viu aqueles olhos serenos.Teve uma mistura de medo e raiva,mas era tão jovem pra isso.Era só uma menina doce que iria,sem querer tornar-se no futuro uma mulher dura e cruel consigo mesma.Olhou para a mãe e de súbito fez uma pergunta:
-Mãe,posso ir sozinha pra aula hoje?
A mãe não entendeu,pois os dois iam sempre juntos pela estrada até o ponto onde um ônibus os levava até a escola.Mas,não viu problema.
-Tudo bem filha,mas tome cuidado.Seu irmão já está indo,espere ele no ponto.
Helena saiu sem olhar para trás e andou o mais rápido que pôde para que o irmão não a alcançasse.Os dias que se seguiram foram torturantes para ela,pois percebeu que seus pais não sabiam o que tinha acontecido naquela noite,e além disso sentiu que precisava ficar sempre mais longe de Philip.Só que sua angústia inda iria aumentar com o tempo,pois o que aconteceu naquela noite,próximo ao lago tranquilo,iria se repetir...
O tempo passou e Helena afastou-se cada vez mais do irmão,a ponto de não falar mais com ele.O pai não se importou,pois como ele mesmo dizia,era briga natural de crianças,ia passar.Já sua mãe,não só percebeu como tentou entender.Numa tarde fria,foi até o quarto e viu a filha sentada,observando a janela com um olhar distante.Sentou-se e começou a pentear seus cabelos negros.Helena era uma menina linda,e sua mãe sempre fez questão de dizer isso para todos os amigos da família.Tinha olhos castanhos e uma beleza natural que sempre foi percebida por todos.
-Filha,por que não está falando mais com seu irmão?Ele fez alguma coisa que eu não sei?-Perguntou a mãe enquanto a penteava.
Helena queria falar,na verdade toda aquela cena veio a tona e as palavras também,mas acreditou ser errado denunciar seu irmão.Ele havia cometido algo errado,mas ainda era seu irmão mais velho e apesar do medo,ainda o amava.Sabia também que se falasse,seus pais iam mandar ele embora ou até mesmo coisa pior,e mesmo querendo ficar longe de Philip,ela sabia que sua família iria sofrer muito.Pensou um pouco e respondeu:
-Tudo bem mãe,é bobagem minha...
Sua mãe sabia que ela estava mentindo,afinal toda mãe conhece seu filho,mas preferiu não questionar mais.Apenas continuo ali,cuidando do cabelo de Helena e deixando-se levar pelo silencio do quarto...
Dois meses depois,sua família se preparava para viajar para a cidade.Era algo natural;todo natal era assim,eles iam para a casa de Alfred,seu tio para comemorar a data.Alfred era um homem de meia idade,que só tina sua esposa como companhia,por isso sempre ficava feliz ao ver seus sobrinhos e irmão em casa.Era uma festa completa,as crianças iam para o parque central enquanto os adultos preparam a Ceia e enfeitavam a casa.Mas aquele seria um natal diferente,não haveria tanta felicidade.
Depois que chegaram,todos se sentiram bem por estarem ali,na cidade onde tudo acontecia;menos Philip.Ele começou a reclamar de tudo,desde o quarto onde iria dormir até a cor da parede.Mas o que chamou a tenção de Helena foi a reclamação que se repetia:sentia falta do lago.Não sabia o que sentir,pois aquele era o mesmo lago onde havia testemunhado o medo,e Philip não parava de dizer que sentia falta do lugar(...)No dia da grande festa,os dois forma para o parque próximo a casa do tio,como já era de costume.O parque era pequeno,e assim que chegaram Philip foi direto para o balanço,com uma cara de desagrado claro.A irmão preferiu ficar sentada olhando as flores,que por sinal eram lindas...
Quando chegaram,outras crianças estavam brincando,mas aos poucos iam embora conforme a tarde caia.Helena brincou um pouco e quando achou que já era hora de voltar,foi ao balanço chamar Philip.Ele não estava mais lá,então começou a procurá-lo.O parque era pequeno,mas tinha alguns brinquedos mais fastados então ela foi até eles.No caminho,algo chamou sua atenção:uma touca rosa no chão próximo a porta de um dos brinquedos.Helena abriu a porta e,de repente,deu um grito.
No chão,uma menina loira com a barriga sangrando e ao lado uma poça de sangue estava dentro de um círculo feito com areia.Alguns passos à frente,Philip secava as mãos sujas de sangue num pedaço de papel.Ao ver a irmã,a olhou com aquele mesmo olhar vazio e disse:
-Senti falta do nosso lago,por isso,fiz esse com areia.É menor,mas me faz lembrar de lá...
Helena começou a chorar de forma intensa,enquanto se fastava da cena aterrorizante e do monstro que achava ser seu irmão.Não era mais o Philip que ela conhecia,o menino doce e quieto;era alguém louco e covarde.Correu o mais rápido que conseguiu,e naquele momento,percebeu que toda sua dor ia deixar marcas,cenas que iam ficar em sua cabeça para sempre...
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Os Irmãos Mendel
Ficción GeneralAté onde a loucura pode levar alguém?Existem limites?