"Quando a loucura invade a alma,pouco resta além da insegurança."
"É impossível determinar um adeus ou até onde esse ato pode levar alguém.As possibilidades encontram saída em mentes conturbadas pela ausência de quem amamos,pelo simples fato de assim parecer mais propício dar início à loucura e a dúvida.Questões como arrependimento surgem da sensação que,de alguma maneira acredita-se poder evitar,quando na verdade são poucos os que vencem o destino ou se sobrepõe sobre ele..."
Nenhum deles estava pronto para um rompimento definitivo,nem mesmo para um adeus tão invariável quanto a chance de nevar nos próximos invernos.A família Mendel estava incompleta naquele natal,época em que os pais de Helena e Philip deixavam seus filhos mais à vontade do que nunca,permitindo suas visitas ao lago congelado para que deslizassem sobre aquela superfície antes instável e agora tão fixa quanto as estrelas no céu.Para ir até a floresta em busca de pinhas e cipós para enfeitar a lareira,Robert os acompanhava e na maioria das vezes uma guerra de bola de neve sempre acontecia para alegria dos três.Quando chegavam em casa,sujos de neve e com aquelas expressões inocentes,Lúcia já sabia que a tarefa acabara em diversão,reclamava um pouco mas no fundo gostava de vê-los assim,unidos até na bagunça.
Mas desta vez seria diferente,ou talvez nem viria a ser nada.Depois da separação dos dois no outono,a casa parecia mais vazia do que jamais esteve.As crianças levantavam-se mais tarde pois sabiam que o pai não estaria lá quando eles saíssem da cama,as atividades como cuidar das galinhas e de Indi,o gato de estimação da casa ficavam agora com Lúcia.A rotina mudou mas ela permaneceu firme,sem dar sinais de arrependimento por ter pedido a separação,pois afinal era o certo à fazer em um casamento cheio de vazios permanentes e poucas palavras de amor.Helena ajudava-a em tarefas como dobrar as roupas e limpar a sala no fim de tarde enquanto à seu irmão cabia a tarefa de limpar o quarto caso estivesse sujo.Enquanto Helena parecia ter se conformado em definitivo com a partida do pai,Philip demonstrava o contrário,mesmo que em pequenos gestos e atitudes com o passar do tempo.
Certa vez,enquanto sua mãe conversava com uma vizinha sobre assuntos femininos como crochê e perfumes de alfazema,sentiu raiva com a inconveniente pergunta da mulher sobre seu pai:
-Amiga Lúcia,será que ele se arrepende e volta?-Questionou ela
Philip beirava seus doze anos de idade quando interrompeu a resposta da mãe e disse com uma raiva evidente:
-E você não pode calar a boca e cuidar de sua vida não é moça?-Disse ele
Constrangida,a mulher pediu desculpas e foi para casa em seguida.Ele parecia não se incomodar em agir assim as vezes,principalmente quando o nome de seu pai era mencionado,e sua mãe começava a achar que ele sentia sua falta,por isso agia de tal maneira.Mas na verdade,não era saudades o que ele sentia e sim um ódio que já o incomodava,um sentimento pesado que se manifestava em suas respostas ácidas e uma timidez aliada à um olhar sempre distante da realidade.Os anos passaram e depois de incidentes relacionados a seu comportamento em colégios,Philip foi internado numa clínica psiquiátrica pela própria mãe,temorosa em relação ao tratamento do filho porém confiante de sua melhora.Helena estava na cidade cursando design e tentando um emprego;pouco sabia ou desejava saber sobre ele,pois as lembranças ainda a seguiam durante as noites de insônia e pesadelos que retratavam seus crimes no lago.
Dentro da clínica estava isolado do mundo exterior,sem contato com as pessoas que conhecia como família e amigos.Sua única relação ali dentro era consigo mesmo;ficava sozinho em seu quarto conversando por horas,assuntos que só ele entendia ou estava disposto a ouvir,como histórias de um lago e crianças com sono.Os médicos até tentavam compreender onde ele queria chegar com tais questões mas nunca obteriam sucesso,estavam cientes.Durante a noite,deitava-se na cama devagar e no teto cinza do quarto,acreditava ver o céu de seu quintal.Ali recriava cenas psicológicas de sua irmã correndo tão próxima da água,de seu pai cortando lenha e sua mãe retirando as roupas do varal.Philip estava,sem perceber,mergulhando fundo em seu consciente para buscar momentos que considerava felizes,para de alguma forma justificar a tristeza que sentia e por que estaria ali se não era louco como alguns diziam.
Os dia ali dentro se arrastavam sem que percebesse e as horas eram só medidas desnecessária para alguém que se sentia preso dentro de si mesmo.Ele apresentava repentinas melhoras em alguns períodos e crises absurdas em outros;era difícil dizer como ele estava quando acordava.Certa vez passou o dia em total silencio,no pátio da clínica frente à um muro de concreto maciço,e em outra ocasião perfurou o baço de um dos enfermeiros com um pedaço de vidro que não souberam onde havia arranjado.
Philip entendeu que sua solidão poderia servir para algo,e como objetivo sinistro começou a planejar uma vingança contra o pai.Primeiro deveria encontrá-lo e para isso aguardava paciente para sua primeira saída,no mês seguinte.Seu ódio estava concentrado naquele homem que o fez chorar por incontáveis noites no quarto de casa e também no lago,pelo simples fato de abandonar sua família para se divertir com prostitutas e beber até de madrugada.Seu desapego de sentimentos o causava nojo e indignação;como um pai poderia fazer aquilo sem sentir remorso?Como seria a vida de alguém que deixa sua família de lado para se transformar num bêbado miserável?Ele estava completamente certo do que fazer,e na primeira oportunidade fora da clínica,foi atrás de Robert Mendel...

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Os Irmãos Mendel
General FictionAté onde a loucura pode levar alguém?Existem limites?