Páginas em Branco pt.1

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"Deixe que a vida recomece aos poucos..."


"É vital acreditar que existe um fim positivo para tudo,pois quando isso ocorre,o fim deixa de ser um encontro fatal entre a consciência e a incerteza,e passa a ser apenas mais uma página necessária."

Ele estava cansado,e isso já era visível.Seus olhos tinham um brilho fosco que só iluminava memórias perdidas de quando era jovem;de momentos que sentiu saudades da mãe e de sua proteção sincera,mesmo quando não merecia.Um homem pode perder sua alma de várias maneiras diferentes,mas talvez a pior delas seja a ausência.Seus dias passavam sem grandes realizações e aos poucos,sua esposa percebia que de certa maneira tudo ocorria devido ao desgaste de uma vida profissional tumultuada e cheia de complicações.Mas nada disso importava tanto,pois o homem agora sentado em sua poltrona de couro só pensava naquele jovem que tornou sua vida um grande jogo de buscas e decepções...

Mesmo que em alguns momentos estivesse negando para si mesmo que Philip Mendel era um problema agora,a persistência de Olivetti em acreditar que a justiça ainda não havia encontrado uma finalidade para quele caso tornava a negação apenas um devaneio do que carregava em sua mente.Depois de várias tentativas de encontrar Philip,depois de persegui-lo enquanto fugia acompanhado por uma jovem,o delegado chegou a acreditar que ele havia desaparecido.Nada sobre o assassino foi ouvido e nenhuma informação nova chegava depois de oito meses,e isso o deixava ainda mais ciente de que precisava agir de forma mais ativa.

Nesse meio tempo,uma novidade gerou certo contentamento em Olivetti. A irmã de Philip,que testemunhou as maiores atrocidades cometidas por ele,e que sofreu por não ter ao seu lado um irmão a quem nunca deixou de amar estava feliz,um novo sentido para sua vida estava sendo gerado.Helena estava agora com alguém que a respeitava intimamente e que tornava seus dias melhores pelo simples fato de estar ali;alguém que preenchia sua vida de um amor leve e sem esperas ou partidas.Tudo fluía bem agora,os dias eram tranquilos e o trabalho só trazia bons resultados para Helena,que por conselhos de sua mãe e amigos próximos decidiu dar mais foco a sua vida pessoal.

Olivetti de certa forma tornou-se próximo da família,pois em tempo de crise oferecia suas palavras de apoio e segurança.Essa aproximação era apenas um acaso da vida,mas as vezes as pessoas se aproveitam dos acasos para finalidades próprias,e o delegado também fazia isso.Sua afeição pela mãe e irmã de Philip era sincera,mas ele sabia que cada detalhe poderia ser usado se preciso,desde conversas sobre o passado à conclusões ainda sem fundamentos exatos.

Para cada momento em que perdeu a oportunidade de capturar aquele assassino,existia a certeza de que cedo ou tarde ele iria pagar,e isso podia ser uma simples questão de tempo.Lúcia era cercada diariamente pelo amor de crianças que já lhe conheciam e outras ainda em adaptação.Seus olhos percorriam as mesas lotadas na cantina e absorviam aqueles olhares puros e livres de qualquer medo maior;eles eram como anjos em plena repouso.A direção da creche onde trabalhava estava cada vez mais admirada com o relacionamento positivo de Lúcia e as crianças,o que tornava aquela mulher cada vez mais forte e confiante,já que a vida lhe deu motivos suficientes para chorar e desistir.

O que movia tais caminhos da vida de cada um deles era a simples força da vida de recomeçar e ir além de algumas fronteiras impostas pelo destino.A dor que Lúcia carregava ainda estava lá,oculta em memórias distantes porém vivas de momentos em que suas esperanças falharam e seus olhos cederam as lágrimas sem medo de serem percebidas.Essa certeza também fazia parte da consciência de Helena,que mesmo desfrutando de um amor capaz de libertar sua alma,ainda tinha pesadelos que traziam Philip de volta,e além dele sua crueldade sem explicação.

Não existe perda quando a alma resiste,o que dá sentido à vida é a possibilidade de seguir em frente,mesmo que de forma gradativa e sem grandes feitos.Os pequenos atos de uma vida definem os grandes momentos da existência,e isso é tão simples quanto a certeza de que o dia seguinte será diferente.A obsessão de Olivetti era apenas a faísca de um incêndio que ainda iria se espalhar e propagar a dor que algumas pessoas lutavam para ocultar.

Distantes de tudo isso,Caroline e Philip estavam observando a chuva cair pela janela.A vida estava traçando rotas ainda confusas para os dois,mas talvez um sentimento maior pudesse responder questões que ambos carregavam.Desde o dia em que foi obrigada a sair de casa para manter Philip em segurança,Caroline não tinha notícias do pai.Ela esperava o telefone tocar mas nada acontecia e a vezes o medo invadia seu peito.A jovem que perdeu a mãe muito cedo devido à complicações médicas,havia se tornado inteligente e forte,capaz de esconder seus sentimentos e cuidar do pai com grande empenho.

Longe da única pessoa que lhe transmitia segurança,a jovem sabia que corria grande risco ao lado de um assassino,mesmo que para seu pai aquele fosse um homem com alguma chance de redenção.Ela cuidou dele nos primeiros dias naquela casa,que era na verdade de um falecido tio.O lugar era bastante afastado de tudo,contando apenas com um pequeno vilarejo à cerca de 2 km de distancia.O lugar era abastecido mensalmente por seu pai desde o dia em que encontrou Philip ferido durante um passeio à cavalo;era como se ele tivesse planejado tudo com grande exatidão desde o primeiro momento.A sua proposta de transformar aquele homem cruel em alguém bom e justo lhe parecia uma fantasia sem precedentes.Caroline não estudava psicologia,mas era fácil dizer que as pessoas não mudam assim,principalmente aquelas que encontram na dor algum refúgio ou prazer,como no caso de Philip.

Ela sabia que seu pai era sensato,mas que talvez tenha errado pela primeira vez em sua vida quanto à personalidade de alguém.Além de tais pensamentos e dúvidas,sua preocupação permanecia grande pois Carlos já deveria ter entrado em contato ou ter vindo a seu encontro.Os dias ao lado de Philip eram sempre repletos de silencio e funções quase robóticas:ela cuidava de seus ferimentos e da alimentação e ele cuidava da limpeza da casa,pelo menos o que sabia fazer.

Naquele momento,enquanto a chuva caía lá fora o sentimento que poderia mudar tudo estava germinando no peito de Philip Mendel.Ele observava o ritmo constante das gotas d'água caindo na terra agora úmida e imaginava um vida livre;livre do passado e suas cicatrizes,livre do vazio que ainda existia em sua alma.Caroline estava linda,como se apenas seu rosto pudesse contrastar com aquele instante parcial...



Os Irmãos MendelOnde histórias criam vida. Descubra agora