"Iludidos,os homens perdem-se constantemente..."
"As pessoas tendem a diferenciar o que é real do que é ilusão.Isso torna a vida mais justa e significativa,pois quando definimos algo o compreendemos por inteiro,ou não(...)Entretanto,existe um meio-termo,uma entrelinha que supõe a dúvida eterna para que o que parece justiça dê lugar ao sentido.Na busca por sentido e realidade,a alma sufoca-se e mergulha em escuridão."
Seu corpo estava rígido e sentia frio.A sensação de nudez o incomodava mas não sabia dizer exatamente o por quê.Uma dor lancinante invadia sua cabeça fazendo com que seus pensamentos tornassem-se distantes e sem perspectiva.Tentou levantar,mas o corpo recusou sua ordem;estava fraco e dolorido,como se tivesse caído ou sofrido um acidente.Ali parado,pensou por alguns instantes até tentar levantar-se mais uma vez.Na segunda tentativa,conseguiu apoiar-se na cama onde estava.Não lembrava como ou por que chegou até aquele local,mas ao abrir melhor os olhos,reconheceu alguns detalhes daquele ambiente.Era um quarto amplo e com cortinas azuis na janela;a cama de solteiro estava arrumada e com uma comoda à sua esquerda,onde repousavam seu distintivo e camiseta.Sentia a dor em sua cabeça aumentar conforme tentava se lembrar do que havia acontecido,até que uma voz atrás dele se manifestou:
-Que bom que acordou Marcos,já estava preocupado...-disse Philip Mendel
O homem surgiu à sua frente,vestido apenas por uma bermuda leve,sem camisa ou adereços.Trouxe uma xícara e colocou em suas mãos.Seu olhar estava diferente,como o de alguém que se preocupa com o bem-estar de uma outra pessoa só pelo fato dela precisar.Ele passou a mão em seu rosto,um ato de carinho que nunca recebera de um homem.As palavras que vieram a seguir o deixarão sem reação:
-Fiquei esperando você acordar,então preparei café nesse tempo.. Você bebeu de mais ontem e então viemos para cama.Obrigado pela noite,foi maravilhosa...-Disse ele com uma voz doce
Marcos o olhou de imediato e então entendeu o que quis dizer com noite maravilhosa.Fragmentos de memória o invadiram e então soube como foi para naquela cama.Dormiu com Philip,não como um amigo dorme ao lado do outro até o dia seguinte:eles fizeram amor.Pode parecer absurdo para muitas pessoas,mas para Marcos não,pois ele sempre se sentiu atraído por rapazes,mas nunca deixou seu desejo falar mais alto.A ideia de ter dormido ao lado de Philip apenas fez com que seu desejo encontrasse refúgio,e isso o trazia conforto.Apesar disso,não gostou da intimidade dele naquele momento,e então lembrou-se de algo mais estranho:
-O que era aquilo no quintal? Você matou crianças e as enterrou aqui não foi?Eu me lembro Philip!-Disse num ímpeto
Philip não disse nada.Tirou a mão do seu rosto e foi para a sala,sem explicar nenhum detalhe para o policial.Marcos vestiu-se rapidamente e depois de beber o café extra forte preparado para ele,saiu em busca de explicações do homem com quem havia passado a noite.Philip estava de pé próximo a porta quando Marcos mais uma vez o questionou:
-Eu lembro de tudo .Você matou as crianças e as enterrou aqui,eu vi no quintal e vou denunciá-lo se não começar a falar.Vamos,o que fez com eles seu monstro???-Disse agora enraivecido
Philip começou a chorar,como uma criança repreendida por seus atos sem consequência,como um menino que foi pego de surpresa no momento da bagunça.Ele se aproximou do policial e o pediu apenas um abraço.O homem estava triste e precisava desabafar,precisava explicar tudo.Abraçado à ele,começou a falar,de maneira melancólica e pesada:
-Eu avisei Marcos,juro que avisei.Eu lhe disse que algumas pessoas só nos dão uma chance,mas eu resolvi tentar lhe dar um pouco mais,uma outra oportunidade.Mas você preferiu partir então,adeus!
Uma dor profunda percorreu o corpo de Marcos,que apenas arregalou os olhos.Philip continuava chorando,agora com maior intensidade,com seu corpo ainda comprimido sob o do outro.Quando se afastou,deixou clara a razão pela qual o policial estava perplexo:no meio de sua barriga,um punhal médio havia sido fatalmente cravado.O sangue que escorria o fazia perder as forças e pouco tempo depois caiu definitivamente.Seu corpo agora era penas um cadáver ensanguentado;um corpo sem vida e sem voz.Philip observava aquela cena entre um choro constante e pensamentos nebulosos,ele estava ciente do seu ato,mas não pronto para admiti-lo.
Depois de algumas horas ali,sentado próximo ao corpo de Marcos,começou a imaginar sua família.Provavelmente teria deixado amigos e parentes que o amavam.Chorou novamente e antes que percebesse,estava murmurando frases soltas,como alguém tão alucinado pela perda que se torna capaz de fazer o mundo a sua volta desaparecer,para viver sua dor em uma dimensão paralela,onde só a tristeza faz sentido.Entre tais frase,algo perturbador envolvendo dois membros de sua família.Sua irmão distante naquele exato momento,e uma figura até então pouco mencionada,seu pai:
-Eu vou atrás de você Helena.Vamos falar sobre o papai...