Antes

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"Apenas uma certeza prevalece diante do homem:sua infinita incerteza."


"Sem controle ou definições maiores que rascunhos em uma folha em branco,as pessoas podem sucumbir ao vazio;não é uma suposição,apenas um fato óbvio.A única saída é ir fundo em novas possibilidades,caminhar sob novos terrenos onde a dor possa deixar de existir e corromper"

A queda é inevitável,e quanto à isso pouco pode-se fazer.É uma realidade que independe da inércia quando seu campo de avaliação é a vida humana,pois mesmo que uma pessoa esteja longe da frenética e tumultuada corrida do tempo ou distante de si mesma o suficiente para não se importar com o destino,ela ainda tenderá a cair.Isso pode parecer absurdo,ou até mesmo inadequado mas é a lógica que prevalece,partindo do princípio que nenhuma pessoa é forte o tempo todo;nenhuma pessoa consegue manter sua muralha de pé diante das tempestades da vida. 

Mas o que importa antes da queda,é sua causa e por consequência óbvia,seu efeito.As pessoas vivem para idealizar sempre cada vez mais de seu próprio ego,suas próprias vontades imparciais e desejos secretos e quando alcançam isso,existe um tipo de êxtase particular que ao mesmo tempo é espelhada por um universo de opostos.No fim das contas,é sim possível dizer que houve uma jornada interessante,e se uma chance do destino foi bem aceita por uma alma,podemos dizer ainda que a história valeu à pena...

Os desenhos artesanais se encontravam numa harmonia que parecia proposital enquanto colocava o líquido quente na xícara.A base era enfeitada com pequenos pássaros voando em direção à galhos floridos,tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes.Ele percebeu isso rapidamente,mas logo voltou o olhar para o que realmente importava naquele momento tão estranho.Caroline estava sentada na varanda,de cabeça baixa e com uma postura que denunciava seu medo depois do que viu acontecer.

Seu pai ainda estava jogado sob as folhas secas,agora apenas um corpo vazio de vida e repleto de silêncio.As lágrimas ainda percorriam o seu rosto enquanto tentava esquecer toda aquela guerra particular de sentimentos e dor.Não era só a morte brutal do pai que a atormentava,mas o que veio depois.O delegado ainda estava disposto a capturar Philip e dessa forma acabar com aquele jogo sangrento de caça que aos poucos criou e fugiu de seu controle.A arma permanecia apontada para os dois,quando a atitude do homem a quem protegia lhe surpreendeu.Philip deus alguns passos à frente e com uma voz aparentemente tranquila se dirigiu a Olivetti:

-Eu estou aqui delegado,já pode parar.Olhe ao seu redor,veja o que fez em busca de sua justiça.Acha mesmo que é justo matar alguém inocente afim de cumprir a lei?-Disse olhando em seus olhos

Olivetti estava visivelmente cheio de ódio,e quando isso ocorre as pessoas deixam de lado qualquer sentido ou razão,a única coisa que prevalece é o momento e seus atos.Ele sabia que um limite havia sido ultrapassado ali,algo que não deveria ter acontecido mais interpretou isso como um triste reflexo da situação,e essa compreensão lhe deu coragem para continuar.Caminhou até os dois e com  total foco nos movimentos do assassino,retirou um par de algemas do bolso da calça.

Era aquele o momento pelo qual esperou por mais de dois anos seguidos,um momento que seria gratificante e ao mesmo tempo decisivo em sua vida pessoal e profissional.Capturar um criminoso como Philip Mendel era sua carta dourada numa futura apresentação aos serviços do estado;poucos delegados tinham um desempenho similar ao de Olivetti e isso não era apenas uma opinião ou ideia presente nos corredores da delegacia,era uma verdade baseada em exaustão e trabalho duro,que lhe dava certo orgulho.

Caroline ainda estava ali,apenas contemplando toda a movimentação lenta e troca de olhares que acusavam e temiam um ao outro.Philip parecia tranquilo e ciente do que estava fazendo,mesmo que para a jovem tudo aquilo representasse apenas uma fraqueza ou covardia que não esperava dele,principalmente num momento tão difícil.O homem deixou as mãos à vista e esperou as algemas,quando virou-se e a olhou;tão desprotegida e frágil,mas mesmo assim tão linda e sublime.

Quando Olivetti se preparava para colocar as algemas,algo inesperado aconteceu.Num movimento rápido e sem aviso,Philip empurrou o delegado com toda a força de seu corpo,causando sua queda e um choque de reações.De forma rápida,conseguiu tirar a arma de suas mãos e agora mantinha-o na mira do revólver.Os papéis se inverteram de imediato quando Caroline sentiu novamente que estava do lado errado.Com a arma,Philip parecia realmente um assassino destemido e cheio de ódio em seu coração,uma representação do medo que existia na jovem quanto à ideia de ajudá-lo.Talvez não exista ajuda para quem erra por prazer e enxerga na dor seu maior presente,pensava ela.

De repente percebeu qual a intenção de Philip e,mesmo sem saber o por que rezou para que estivesse enganada. Olivetti agora estava atônito à sua frente,mesmo assim não demonstrou vulnerabilidade:

-Largue essa arma ou faça mais uma atrocidade senhor Mendel,a escolha é sua.Se escolher a primeira opção prometo ser gentil quando estiver sendo julgado,mas se atirar será só mais um crime para sua coleção...Vá em frente.-Disse Olivetti

Os homens trocaram um olhar convicto,quando Philip disse apenas:

-Você nunca foi gentil delegado,e sobre mais um crime não se preocupe:a justiça que tanto deseja será cumprida.Mas você não estará lá...

O gatilho foi puxado e com um tiro à queima roupa,Olivetti estava morto.Philip deu fim à caçada,mas isso não era o que queria.Talvez a grande divergência entre querer algo e o ter em mãos seja a impossibilidade de calcular todas as consequências.Ele não podia definir o que aquele tiro iria significar,mas algo era bem claro:ainda não estava seguro.O que Caroline estava fazendo ao seu lado ainda era um mistério para ele,já que realmente não conversavam como amigos nem mesmo conhecidos que se esbarram na rua,mas em pouco tempo isso iria mudar.

Em meio a estes pensamentos e devaneios,memórias recentes marcadas por sangue e medo,Philip chegou à varanda com duas xícaras de chá.Sua expressão era um misto de consternação e calma quando se sentou ao seu lado:

-Eu não sei o que dizer exatamente mas...Sinto muito por seu pai e tudo o que acabou de acontecer.Ele era um homem bom,e talvez por isso tenha me protegido apesar de tudo.Por favor,tome o chá;é de camomila e o único que sei fazer.-Disse ele

Caroline se surpreendeu:era a conversa mais longa que  já tiveram até o momento e ele pareceu sincero.Ainda com certo receio,tirou o olhar fixo do corpo do pai e tomou um gole do líquido quente.Era perfumado e gostoso,um dos prazeres dela que foi despertado sem que percebesse.Ela o olhou e notou que ele também a admirava,quando preferiu voltar a tomar o chá em silêncio.

A queda é inevitável para todos,e não acontece em apenas um momento da existência. Você pode cair mil vezes diante da dor,do medo ou da angústia que aprisiona,mas deve ter força e coragem suficientes para levantar em cada uma delas.Philip sabia disso e estava disposto a abrir sua alma;queria ir além da escuridão que se escondia nos cantos de sua mente e percorria caminhos em seus sonhos.Quando as pessoas decidem evoluir,o antes perde o foco e só o que importa é o que virá depois...

Os Irmãos MendelOnde histórias criam vida. Descubra agora