Maiores Medos

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"Onde ninguém te ouve,o medo existe e insiste."


"As pessoas expõe seus medos diante da ilusão de que os outros possam lhes dar a mão,pois afinal é isso o que se espera do ser humano,a compaixão.As fraquezas aparecem apenas para deixar que os sentimentos mais profundos aflorem,mas no fim das contas,nada supre a falta de amor..."

A vida não oferece todas as chances como a filosofia quer nos fazer acreditar,pois conceitos e teorias não compreendem a existência de cada um,mesmo quando parecem bastante abrangentes.Mesmo se o Universo pudesse conspirar à favor de todos nós,com sonhos e verdades plenas para cada vida que se perde em questões inexplicáveis,nada seria completo o suficiente.Essa conclusão ocorre por um único e perturbador fato:não existe completude,apenas o esboço dela nos é permitido...

Nada seria como antes na vida da família Mendel,e isso se tornava cada vez mais claro.As pessoas na cidade pareciam temer a presença de Lúcia e sua filha em todos os lugares,desde supermercados até em ruas mais calmas,como se elas pudessem oferecer algum tipo de risco.Tinham medos insanos e sem sentido mesmo quando as duas lutavam para esquecer tudo,e no fundo só queriam isso.A polícia estava em busca de informações que pudessem esclarecer o que havia ocorrido com Philip,mas ninguém o tinha visto ou sabia dizer sobre seu paradeiro.A única coisa que mudou foi a sensação dos moradores da cidade,que mesmo receosos quanto as duas mulheres,demonstravam certo contentamento em saber que o cruel e frio assassino que aterrorizava a todos havia desaparecido sem deixar rastros.

Os crimes cometidos por Philip continuavam sob  investigação e a polícia federal já dava sinais de que iria colocar seus recursos à disposição do delegado Olivetti,responsável pela operação e principal interessado em dar um fim a tudo aquilo.Sua esposa estava mais tranquila,pois quando soube que tinha conseguido,mesmo que de forma indefinida afastar-se um pouco do caso,entendeu que ele iria descansar mais e quem sabe voltar aos seus hobby's preferidos,como assistir futebol nas noites de quinta ou simplesmente jogar palavras cruzadas antes de dormir.Mas Olivetti não pensava em nada disso,não ainda;para ele o caso só estaria completamente encerrado quando Philip Mendel estivesse atrás das grades,pagando por tudo o que fez e sem chance de perdão.

A justiça é um elo indefinido entre a razão do que é certo e a definição do que se expõe como errado.Esse elo pode ser perceptível para todos,visto como uma paisagem tão viva capaz de convencer a todos de sua existência.Porém,para alguns o que parece justiça é nada mais que a tentativa de culpar os atos livres de razões plenas,porém com objetivos verdadeiros.Enquanto Olivetti tinha total certeza de que sua missão era tornar a injustiça algo condenável até a última instância,esse breve conceito era assimilado de outra forma distante dali.

Helena estava cansada de andar pelas ruas da cidade e sentir-se perseguida por olhares que a acusavam e apontavam falhas.As vezes voltava para a casa da mãe com a sensação de que era realmente culpada por algo.Lúcia parecia cansada de tudo o que vinha acontecendo nos últimos tempos,era como se o destino tivesse prazer em saber que seu coração se tornava cada vez mais triste e sozinho.Chegou a conclusão de que perdeu seu filho muito antes daquela maldita noite,quando foi atrás da irmã para matá-la.Ela sabia que Philip tinha problemas graves mas ainda esperava que encontrasse sua paz com o passar do tempo,no entanto,só conseguiu ir mais fundo em sua jornada rumo ao sofrimento,e de forma indiscriminada levou muitas outras pessoas.

Quando estava na igreja,deixava que seu espírito entrasse em contato com a fé que as vezes lhe parecia perdida.Rezava para que seu filho estivesse vivo e que encontrasse um novo sentido para viver,sem dor ou magoas.Lúcia encontrava naquele local a certeza que tudo teria seu momento para dar certo;tudo iria ser como foi escrito.A fé não compensa a dor da queda,mas alimenta a força para se levantar.O tempo e as características da vida lhe faziam um tipo de convite para ir em frente,mostrar que mesmo com a dor e a profundidade de seus sentimentos mais ocultos,ainda era possível alcançar alguma razão para seguir,e foi isso que ela fez.

Aos poucos,começou a servir como ajudante numa escola da cidade;queria ser útil para os outros para que estivesse em paz consigo mesma.Helena passou a admirar ainda mais a força de sua mãe e sua incansável capacidade de se manter forte mesmo diante das intempéries da vida.Quanto a ela,tentava retomar seu trabalho na agência de modelos,mesmo sabendo que talvez nada fosse como antes.Depois de todo o estranhamento e instabilidade nos primeiros dias de retorno,Helena conseguiu passar para todos ali a mesma imagem de mulher forte e destemida que sempre teve,algo que aprendeu com a mãe desde criança.Mesmo quando a vida lhe fere,é preciso lutar.

Distante de tais acontecimentos,o homem que passou noites em claro enquanto a dor em seus músculos fazia seu corpo tremer e sua mente tornar-se ainda mais turbulenta,estava acordando agora.Pela luz que iluminava o pequeno comodo em que estava deitado,refletindo num jarro de vidro com flores artificiais,parecia ser manhã ainda.Seu corpo era como um pedaço de papel amassado,cheio de arranhões e alguns curativos aparentes recém colocados.Ao abrir os olhos percebeu que não estava mais no casebre em que havia chegado a há algum tempo,onde mesmo ferido sabia que estaria seguro.A cama tinha lençóis verde-jasmim e ao lado da cama uma pequena mesa em tom escuro envelhecido;a primeira impressão que teve é a de estar em algum hotel rústico,ou quem sabe estar sob efeito de alucinações.

Ainda confuso,levantou-se e percebeu que na mesa,uma caneca de café o esperava;o líquido negro e com aroma forte o fazia lembrar quando sua mãe estava na cozinha.De repente,uma porta atrás de si foi aberta,e entre uma luz serena e pouco distinta a voz de uma mulher tomou conta do ambiente:

-Que bom que já acordou...Meu tio achou melhor deixar você aqui para que descansasse um pouco.-Disse a jovem

Philip observou a mulher que falava num tom misto de serenidade e algo que lhe remetia Helena,talvez o olhar marcante.Ela se aproximou dele e sua primeira reação foi recuar,afinal não sabia quem era e o que queria.

-Calma,eu só vou olhar os curativos.Meu tio já está voltando do armazém e está trazendo remédios.-Disse ela

Philip estava nervoso,vestido numa camisa maior que ele,grande o suficiente para dois dele na verdade.Por um instante achou prudente deixar que ela verificasse os curativos,por isso baixou a guarda e se deitou na cama.Philip havia sido atingido por quatro tiros,dois deles na barriga e um em cada perna.Não sabia como os curativos estavam ali já que em qualquer hospital que fosse seria apenas para ir para a cadeia em seguida,mas agradeceu intimamente por isso.A mulher olhava atentamente cada parte ferida e expressava um olhar de cuidado máximo ao tocá-los;ele teve a impressão de estar diante de uma enfermeira.

Não se pode dizer com absoluta certeza,mas o que Philip sentia naquele exato momento era medo,medo de ser tocado e principalmente de ser entendido.Os medos de uma pessoa podem ser a chave para encontrar respostas mais profundas,e à partir daquele dia,a vida iria mostrar que é muito mais inexplicável do que se imagina.Nem sempre existe a perda completa diante dos maiores medos,na verdade ainda há algo maior...

Os Irmãos MendelOnde histórias criam vida. Descubra agora