Capítulo 1

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Estava mais uma vez atrasada. Mas desta vez receava que a mãe não seria tão benevolente como de costume.

Decidida a recuperar pelo menos parte do tempo perdido, os meus pés voavam pela escadaria da universidade. Nunca em toda a minha vida esta me tinha parecido tão interminável, um sem fim de degraus que nunca mais acabavam de desfilar diante de mim.

Nesse momento, e já desesperada, o ifone começou a tocar. O som suave da música que tinha escolhido para ser o indicador de que alguém pretendia falar comigo, tinha neste momento os contornos de uma música rock estridente. Só me apetecia gritar, não podia perder tempo agora, nem um segundo sequer.

Mas o som tocava insistente, e não pude mais ignora-lo. Mal alcancei o último degrau parei, levantei o antebraço e ativei o aparelho maldito que fazia parte integrante do meu fato. Esse dispositivo era um feitor de escravo, onde quer que eu estivesse estava a ser monitorizada, para além de servir para comunicarem comigo a qualquer hora, o aparelho trazia um localizador. A Avó sabia sempre onde eu estava, a qualquer hora e momento. Mas o que mais me incomodava nele era a constante preocupação em tê-lo sempre colocado no pulso, são incontáveis as vezes que tive de voltar a correr para casa para o ir buscar. Sem ele não podia entrar no recinto universitário, porque este pequeno objeto também continha todos os meus dados identificativos.

- Sim avó, já vou – falei exasperada antes mesmo do rosto que se encontrava no visor do ifone mover os lábios. Não era preciso ser nenhuma bruxa para adivinhar porque é que me ligava.

- A tua mãe já chamou, tive de lhe dizer que não estavas. Tens noção de que se não falares com ela hoje não o poderás fazer durante seis meses.

- Eu sei avó, acredita! – O desespero era patente na minha voz.- Estarei em casa em dez minutos, se entretanto ela voltar a ligar empata-a, estou mesmo a chegar. – Mandei um beijo pelo visor e desliguei o aparelho do inferno.

Voltei a iniciar a minha louca corrida, desta vez pela praça que se abria a minha frente. Só tinha que a atravessar para chegar a rede de transportes que atravessava todo o recinto. Os enormes edifícios de vários andares, estéreis nas suas fachadas, revestidas por pedra polida de um amarelo claro queimado pelo sol, eram todos rodeados de praças, ou como nós alunos tínhamos aprendido a chamar-lhes de recreios.

Era uma palavra antiga, que tínhamos resgatado de um, dos muitos filmes históricos e pedagógicos que éramos obrigados a assistir durante os nossos anos de formação acadêmica primária. Os estudantes na época antiga tinham aulas, ou seja blocos de tempo preenchidas com assuntos diferentes e no interregno entre as disciplinas ministradas podiam ir para um recinto, o tal chamado "recreio" onde podiam conviver entre eles enquanto aguardavam a próxima aula. Tínhamos visto o filme no último ano da academia e quando chegamos a segunda fase da nossa formação aqui na universidade, o nome voltou com toda a força e passado um mês já todos tinham adotado essa nova terminologia. Era um local de encontro antes e no fim das seções de ensinamentos, essas encontravam-se divididas somente em duas vertentes, as práticas e as teóricas.

Apanhei o transportador mal cheguei a linha, era um veiculo longo que atravessava a cidade, e  a meio da viagem tive de trocar e apanhar um outro transportador, desta vez um transportador rural que me levaria a zona nobre da cidade, a viagem não demoraria mais do que cinco minutos mas parecia-me interminável.

A zona rural era a mais linda de todas as áreas habitacionais da aglomeração conhecida como Los Angeles, era o local onde as montanhas se juntavam aos oceanos. Era o local onde só os ricos e poderosos podiam ter acesso a residências individualizadas únicas na cidade. A grande maioria dos meus colegas nunca chegaria a entrar numa dessas moradias e para muitos morar numa delas nunca passaria de um sonho.Eu era sem duvida uma afortunada.

Corri novamente entre o ponto do transportador e a residência que pertencia a minha família.

A minha avó já se encontrava com a porta aberta para me receber quando cheguei, dei-lhe um beijo apressado, e não pude deixar de notar o olhar aflito e repreendedor que me dirigiu, sabia que mais logo iria ter direito a um sermão.

- Já ligou?- Perguntei preocupada.

- Sim, está a tua espera.

Não precisei de mais nenhuma indicação, corri para o meu quarto para atender a ultima ligação que receberia da minha mãe em muito tempo.

Ela estava pacientemente a minha espera sentada no que parecia uma almofada no centro do meu quarto. A minha vontade de a abraçar quando a vi, foi enorme, mas impossível de concretizar, como alias sempre tinha sido. Só tinha direito a esse hológrafo da pessoa que era a minha mãe. Mas invariavelmente este tinha aparecido todos os dias da minha vida, e embora nunca a tivesse realmente comigo, ela não nunca esteve mais longe do que uma ligação.

A grande sacerdotisa do Planeta Atalaya nunca poderia sair do seu sistema solar, as razões de tal fato nunca me tinham sido explicadas. A única coisa que sabia era que todas as restrições que eram infligidas a minha mãe eram fruto da sua posição na sociedade de Atalaya.

A única ocasião em que ela viajou foi na altura do meu nascimento, há dezenove anos atrás. Mas nessa época ela tinha mais liberdade, ainda não tinha assumido as suas funções como sacerdotisa e foi-lhe permitido viajar através do universo durante dois anos com o meu pai.

A sua história era do conhecimento de poucas pessoas. As cinco altas sacerdotisas Atalaya eram sabedoras de todos os fatos e da existência de uma menina, mas para além delas só a minha avó terrestre e o meu pai. Este sigilo tinha sido determinante para a minha sobrevivência. Nunca, mas nunca poderia chegar ao conhecimento geral que um terrestre se teria casado com uma Atalayana e gerado uma criança.

Era inconcebível e mesmo impossível a concepção de criança entre seres de espécies diferentes, geneticamente uma criança gerada nessas condições não seria viável, ou pelo menos assim se pensava, até que eu vim ao mundo.

A minha mãe chamou-me de Miraculem, o seu pequeno milagre. E o meu pai apaixonado pela esposa concordou com o nome, apesar de não gostar muito dele, aceitou-o mas não sem antes o adaptar aos seus próprios gostos e começou a chamar-me de Mira, nome que acabou por ficar.




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