Capítulo 19

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Tinham-se passado dois dias desde que ele se tinha ido embora. No primeiro instante em que soube da sua partida, rejubilei. Ficar afastada da tentação era um alivio enorme, mas não diminuia em nada o que se estava a passar comigo. Era constantemente assaltada pela recordação do seu lindo rosto, dos seus olhos penetrantes e da macieza da sua boca. Vivia obsecada por ele, e nessa mesma noite soube porquê...embora não o tenha admitido nem para mim mesma.

No momento em que os nossos lábios se tinham tocado, as transformações tinham-se iniciado, tentava esconder mas a minha mãe olhava para mim cada vez mais desconfiada. Sabia que tinha de lhe contar porque não poderia esconder por muito mais tempo, jà que esta noite o circulo do amadurecimento se tinha completado. Mas sentia tanto receio, não sabia o que pensar, nunca tinha acontecido antes.  Negar não adiantava, e solução eu não conseguia encontrar. Não dava para simplesmente ignorar e seguir em frente.

A primeira pinta apareceu por debaixo da minha orelha  no mesmo dia do beijo. No dia seguinte a linha de pintas roxas, que lembravam as do animal conhecido como leopardo dos humanos já se estendia até ao final das minhas costas. Em pouco tempo as minhas pernas também teriam essas  manchinhas, seguidas dos meus braços e finalmente a linha divisória da minha fronte estaria salpicada numa linha simétrica de pequenas pintas concluindo assim a passagem para o meu estado de fêmea adulta e madura sexualmente. Essa transformação só se dava na presença do nosso parceiro. Era um processo normal na nossa espécie, mas no meu caso revestia de uma grande anomalia ...o meu companheiro de vida não deveria ser um humano!

Depois de analisar a questão de todos os ângulos possíveis, decidi antes de tomar qualquer decisão de falar com o capitão a respeito do assunto. O facto de ele ser o meu companheiro de vida não me dava nenhuma escolha, mas não o obrigava a nada. Se ele não quisesse se ligar a mim, eu teria que esperar que ele morresse para se extinguir a ligação e para que o meu corpo procurasse outro companheiro.

Quando finalmente fosse falar com a minha mãe queria ter respostas e não perguntas. A situação era para mim embaraçosa e catastrófica, pondo em causa até a minha própria existência, e cabia-me a mim exclusivamente a resolver.

Senti o momento preciso em que ele chegou, da mesma forma que soube que ele tinha corrido perigo nos últimos dias. Essa conexão que se estabelecia entre os indivíduos da minha espécie era ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição. Uma bênção porque contrariamente a outras espécies, na nossa não existiam ciumes, desconfianças ou traições. Maldição porque perdíamos um pouco da nossa individualidade, vivíamos uma espécie de simbiose, cada um sabia o que o outro sentia. 

Todos no edifício do conselho já se tinham recolhido e apesar de nunca o ter feito antes, por ser cumpridora de todas as regras, decidi sair da minha câmara de repouso, tendo o cuidado para não ser vista e encaminhei-me para os aposentos que ele ocupava. Sabia que ele ainda não se tinha recolhido e que ainda teria que esperar alguns segundos antes da sua chegada.

Entrei sem bater e sem saber muito bem como agir ou até o que lhe dizer. Depois de passar os olhos rapidamente pelo aposento  decidi dirigir-me até a janela e comecei a ensaiar o que lhe iria dizer. Perdida nos meus pensamentos fiquei estática a sua espera dele, olhando sem ver a paisagem que se encontrava a minha frente . A conversa que tinha pela frente anunciava-se no mínimo constrangedora. Como poderia ser capaz de falar com um quase completo desconhecido sobre a forma como se processava o acasalamento da minha espécie?

Apenas senti quando ele entrou, não me virei apenas fiquei ... enquanto ele se encaminhou até mim e me abraçou. Aceitei o gesto naturalmente encostando as minhas costas ao seu peito, e obtendo um conforto como nunca antes tinha sentido. Nem me passou pela cabeça afasta-lo e aceitei o que veio a seguir. Deixei que ele me beijasse...

O meu corpo e os meus sentimentos pareciam estar sintonizados com os dele. Neste momento a consciência de que não poderia lutar contra o que eu sentia era evidente. O universo tinha falado e este era o meu par.  Pena que esta consciência não era partilhada.

Contrariamente ao primeiro beijo que tínhamos trocado este não revestia qualquer cariz sexual. Procurávamos  o apoio e o carinho que apenas o outro nos podia dar. O abraço que se seguiu foi cheio de compreensão e carinho. O simples facto de estarmos juntos bastava.

Não queria me afastar mas precisávamos falar, e a contragosto separei-me dele e foi sentar-me no seu leito de repouso.

Senti que ele observava todos os meus movimentos e que sabia que algo me incomodava... e ficou aguardando que eu dissesse alguma coisa....e aguardou...

Como teimava em não dizer nada ele perguntou sem nada dizer.

-Suniza? - Esse era  empurrão que necessitava.

- Sabes como o acasalamento se faz na minha espécie?- Disse não podendo mais adiar o problema, e decidida a ataca-lo de frente.

- Vagamente. - Ele parou por um segundo procurando na sua mente todas as informações que ele possuía acerca de nos. Desconfiava que eram muito poucas.-Por aquilo que me lembro vocês acasalam para a vida, é isso? 

-Sim, mas sabes mais alguma coisa para além disso?

- Francamente não! Mas agora desconfio que há muito mais a saber sobre o tema, certo?

Acenei com a cabeça confirmando a sua desconfiança, sentindo toda a coragem me abandonar.

- Podes me contar, seja o que for , tenho certeza que poderemos enfrentar isso juntos.- Ele aproximou-se e sentou-se ao meu lado no leito pegando nas minhas mãos e as apertando entre as suas. Nesse momento pareceu reparar nas minhas pintas e ficou fascinado. Depois de soltar uma das minhas mãos passou um dedo sobre elas contornando o arco perfeito que elas formavam na orla do meu cabelo.

-Lindas!!

- Sim.... mas parte do meu problema.- Ele fez uma expressão de incompreensão. - Estas pintas aparecem quando chegada a idade adulta e conhecemos o nosso companheiro de vida. A única pessoa para o qual o meu corpo se abrira para receber. -Ele ia dizer qualquer coisa mas não o deixei, tinha de lhe contar tudo até ao fim. - Os Atalayanos só podem manter uma única relação de cada vez. Enquanto os companheiros de vida pertencerem a este mundo, nos não poderemos nunca acasalar com outro, é uma questão fisiológica.

- Como é que funciona? - Notava a curiosidade na voz dele.

- Simples! o nosso corpo só se sente estimulado, ou excitado como vocês dizem, pelo companheiro de vida e os nossos órgãos reprodutores se preparam para o ato. Na fêmea o seu corpo se abre para receber  o órgão do macho que aparece e se desenvolve de forma a poder fertilizar a sua fêmea. O acto em si é muito similar ao vosso, só temos essa característica diferente dos outros humanoides.- Quando acabei de lhe contar, perscrutei o seu rosto, procurando saber o impacto que as minhas palavras tinham tido, mas não consegui ler o seu rosto e as suas emoções estavam em todos os lugares.

- Então essas pintas querem dizer que encontraste o teu companheiro de vida?

Baixei os olhos e disse baixinho - Sim.

-E posso saber quem é?

Levantei os olhos devagar ...tinha que lhe dizer ....

-Acho que já sabes!

-Sim...acho que sei...sou eu ..não sou ....

Quando abanei com a cabeça em sinal de confirmação, um sorriso se desenhou na sua face. E permaneceu enquanto continuava.

- Então se percebi bem, se eu não ficar contigo, não terás outro companheiro enquanto eu viver, é isso?

- Sim, mas existe outra questão, o ciclo de acasalamento acaba amanhã...

Vendo a minha hesitação, ele incentivou-me a continuar.

- E....

- E... temos....que tomar uma decisão até amanhã...ou melhor tens de decidir até amanhã se queres ficar comigo, porque eu não tenho grande escolha.

Por um nano segundo ele não pareceu perceber, e quando o fez a surpresa estampou-se na sua cara e ele ficou branco.






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