Capítulo 3

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Era estranho, mas parecia conseguir sentir a mão da minha mãe a acariciar o meu cabelo a medida que ia falando.

- A tua história começa quando eu tinha dois ciclos e meio, estava já bem adiantada no meu treinamento para sacerdotisa ou seja estava quase pronta. A tua avó nunca me disse que estava orgulhosa dos meus avanços no domínio da essência do espírito, mas eu sabia que esse sentimento estava lá. Como sabes, ela não é uma pessoa muito afetuosa, mas é um ser de uma bondade absoluta. Ela nunca provocou dor em outrem de uma forma intencional, mas também não demonstra através de gestos ou palavras o amor infinito que ela tem por todos os seres vivos. Quando era criança ressentia-me dessa falta de demonstração, precisava da mãe e não da sacerdotisa, mas ela nunca soube fazer a diferença. Hoje compreendo que o lugar que ocupa moldou a pessoa que é, isso, aliado ao fato de eu ter nascido quando ela já era Alta sacerdotisa, e tinhas poucas hipóteses de procriar, fizeram com que ela aprendesse a fechar os seus sentimentos. O meu nascimento foi a maior alegria da sua vida, mas ela nunca teve a força para o admitir depois de ciclos e ciclos intermináveis a esconder a sua dor. Durante toda a minha infância senti-me desejada mas nunca verdadeiramente amada, mas nada disso tem importância agora..- Disse melancólica.-  Como sabes, tudo começou um dia quando fui chamada, depois de mais uma seção de aprendizagem, a grande sala do conselho.

A minha mãe parou e sorriu com a doçura, devido às diversas memórias que eu sabia  a assaltavam.

-Mira... esta sala será o primeiro lugar que irás visitar quando aqui chegares, e na minha opinião é linda, nada que conheces na terra consegue se parecer com ela. A sala é integralmente composta pelos elementos. É tão grande que parece interminável a olho nu. As suas paredes laterais são feitas de nuvens brancas, o chão de relva fofa, de um verde eterno, pontuada aqui e ali por flores que exalam um perfume inebriador, a parede do fundo ou seja a principal, onde se encontram alinhados cinco tronos feitos em mármore, um por cada sacerdotisa, é de água azul límpida aproximando-se do branco que parece estar constantemente a correr embalando e criando uma atmosfera de serenidade quase divina, e o teto, sim o teto é arte, coberto de nuvens, encontra-se salpicado de candeeiros de luz que são fogo puro, escusado dizer que amo essa sala, e estou mortinha por poder partilha-la contigo.

Mas como ia dizendo, fui chamada para comparece na sala do conselho. Quando lá cheguei já se encontravam reunidos os vários representativos das diversas estruturas sociais, alinhadas por cada ordem. Sabes que na nossa sociedade não existe hierarquia mas sim ordens, ninguém manda em ninguém, temos todas funções bem definidas e de igual importância. A cada ciclo são eleitos representativos de cada uma das estruturas, os que se dedicam a pesca, a agricultura, aos serviços de higiene, aos serviços de manutenção, a construção de edifícios, de veículos transportadores e todos os que te conseguires lembrar. Essas estruturas estão agrupadas em ordens que não podiam ser outras que as dos elementos, pois estes são o inicio e o fim de tudo. Para te dar um exemplo a estrutura que se dedica a pesca integra a ordem da água, a agricultura a terra, os serviços o espírito e por ai fora. É uma organização simples, mas que tem servido o nosso povo desde sempre. O papel das sacerdotisas é de negociadoras dentro de cada ordem, a elas cabe achar e manter a paz. As suas decisões nem sempre são fáceis mas visam sempre o bem comum e o bem comum não se restringe a ordem que elas encabeçam mas ao bem do planeta que habitamos. O perigo é constante e pode ser provocado por qualquer desequilíbrio que venha do universo. Se o nosso sol nos irradia com luz por mais tempo do que o recomendado para uma determinada cultura mas essa mesmo luz beneficia a plantação de outra cultura como deveremos decidir em prol do bem comum? Retirar o trabalho de certos trabalhadores para aumentar o de outros? Onde reside o maior beneficio para o bem comum? Essas perguntas e outras são a preocupação diária das sacerdotisas e nem sempre é fácil. Mas nesse dia a questão não se prendia propriamente com a manutenção da existência dos indivíduos do nosso planeta mas numa visita que iríamos receber.

As visitas não eram frequentes, recebíamos esporadicamente um ou outro visitante do nosso sistema solar mas raramente tínhamos tido o prazer de receber alguém que vinha de mais longe. Sempre soubemos que existiam outros seres diferentes de nós noutros planetas, como tinha vindo esse conhecimento até nós não te posso dizer, mas a primeira vista que recebemos não suscitou qualquer espanto. Acolhemos os visitantes como irmãos na essência.

Sabíamos que o nosso planeta não era merecedor de grande interesse para outros que não nós. Não tínhamos minérios em quantidade suficientes para atrair os negociadores.Éramos um povo que vivia essencialmente da terra e do mar e daquilo que os elementos nos poderiam fornecer, não produzíamos guerreiros ou qualquer outro material digno de troca.

O teu pai mais tarde disse-me que quando ocorreu a primeira visita que nos tinha feito a aliança intraplanetas havia cem ciclos, o nosso planeta tinha sido catalogado como um planeta de pouca evolução civilizacional que poderia eventualmente servir de planeta de reabastecimento, mas só em caso de extrema necessidade. O único reparo positivo de que tínhamos sido objeto era da grande beleza dos seus habitantes que por terem uma aparência humanoide era apelativa. Mas isso já tu sabes querida.

A minha mãe informou-nos que iríamos receber a visita de irmãos na essência como já a tínhamos recebido ciclos atrás e que para tal devíamo-nos preparar.

- Vão ser atribuídas tarefas extras a cada uma das estruturas para que nada falte aos nossos convidados. As suas intenções são boas e devemos recebê-los com toda a honra que uma visita da aliança nos mereça. Só vos peço uma coisa, as capacidades das altas sacerdotisas devem ser afastadas do conhecimento das nossas visitas. Os nossos dons são a nossa única riqueza e como tal devem ser preservados dos estrangeiros. Cinco são os nossos dons e juntos permitem-nos tocar e manipular a essência, capacidade que é única ao nosso povo e tem um valor incalculável para o universo. – Esse pedido foi feito na voz profundamente solene que a minha mãe possuía. Não deixando margem para qualquer dúvida sobre a importância do seu pedido.

A Relevância da nossa capacidade de manipular a essência era muitas vezes esquecida por ser um fato normal e corriqueiro na nossa vida. É um dom perigoso porque permite modelar o universo a nossa vontade. A essência representa a energia de todo e qualquer objeto animado ou inanimado. Tem algumas limitações é claro, um objeto inanimado nunca poderá ser alterado para assumir a forma de um objeto animado ou seja vivo, não é possível dar vida, essa energia tem de existir, fazer parte da própria essência. A única que tinha conseguido fazer esse milagre de criar essência tinha sido a nossa mãe Libânia.

A força que tinham as cinco sacerdotisas quando reuniam os seus poderes era astronômica, elas juntas podiam formar uma galáxia onde esta não existia, bastava para tal que a essência assim o permitisse, ou seja que existisse energia suficiente no universo para isso. A essência também lhes permitia ter uma visão do futuro próximo quando as cinco se juntavam, essa era mutável mas cada um dos seus desvios era logo registado.

Dizem as nossas lendas que a sacerdotisa original, a nossa grande Mãe Libânia depois de ter criado o universo, decidiu manter-se afastada de toda e qualquer luta, que ela sabia que viria a existir um dia, pois o conflito fazia parte da essência. O choque entre as moléculas para a produção de energia é exemplo disso.

Viveu reclusa no nosso planeta, meditando e pedindo orientação divina para a sua criação, até um dia ter sido apanhada numa emboscada e quase subjugada pelo Deus Fausto, deus da discórdia e da guerra, e nesse momento decidiu desdobrar a sua essência nos cinco elementos fundamentais criando as cinco sacerdotisas primordiais, das quais descendemos. Foi esta a forma que ela encontrou para que o poder fosse dividido e limitado o estrago que ele podia fazer. A mesma força que cria pode destruir, e ela sabia disso.

Diz a nossa lenda também que um dia virá um ser que possuirá todo o poder da essência, Libânia reencarnada, filha do universo, virá para salvar o que um dia a sua mãe criou.

Soube, não me perguntes como, que esta visita iria mudar a minha vida para sempre.






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