Cachinhos

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Setembro de 2015

Ali, parado diante dele, estava seu caminho de todas as noites. O sono mais uma vez o transportara ao triste encontro. Gabriel caminha pelo asfalto, indiferente. "Vamos acabar logo com isso", ele pensa. E seus pés o obrigam a fazer o pequeno desvio, rendendo-se à familiar curva, até que percebe o céu. Parecia mais claro naquela noite, a seu ver. Talvez estivesse apenas buscando uma luz diferente no cenário, mas algo dentro de si sussurrava, pedindo que procurasse melhor ao seu redor. Mas pelo que?, pergunta-se. Não sabia. Não fazia ideia do que lhe chamava a atenção ali, dentre as tantas estrelas. Ignora, portanto, seu devaneio e abaixa a cabeça, voltando a atenção para aquela que sempre o espera todas as noites. Aguarda pacientemente Sara sorrir e vê o rapaz que já não lhe é mais estranho se aproximar. E com um beijo apaixonado, o casal à sua frente muda toda a atmosfera, causando uma imensa escuridão. Gabriel podia ouvir estrelas caírem daquele céu que há pouco tempo atrás lhe insinuava uma beleza oculta. O asfalto se parte, como de costume e ele apenas os encara, até que algo lhe passa pela mente. "Não preciso ficar aqui", conclui. Começa então a se afastar da terrível imagem, mas mantendo seus olhos presos ao casal, até que por fim tropeça em um dos buracos da estrada. Seu corpo não é capaz de se segurar, e ele cai. Ao tentar se reerguer, percebe algo de diferente. Suas pernas... Estão pequenas e cobertas por uma bermuda. Ergue suas mãos e vê como elas também diminuíram. Calçava tênis esportivos e sua camisa fazia parte de um uniforme de baseball. Conhecia muito bem aquela roupa. Passa a mão pela cabeça e conclui seu raciocínio. Seus cachinhos estavam de volta. E ele agora, era apenas um menino do qual se esquecera por tanto tempo.

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Luna acordara cedo, antes mesmo que o despertador lhe tirasse o prazer do sono. A noite lhe trouxera uma energia que lhe era muito bem vinda. Tivera, portanto, tempo suficiente para se arrumar e fazer um bom café da manhã para duas. Ela e Julie estavam cada vez mais próximas e, sentia que devia fazer um agrado à colega de apartamento. Afinal, a garota andava lhe ajudando em tudo o que podia, emprestando-lhe materiais antigos e poupando suas economias em xerox, entre outros gastos estudantis. Julie não somente era prestativa, como sabia respeitar o espaço da amiga e não a perturbava com perguntas e observações invasivas. As duas sempre tinham conversas agradáveis, sem precisarem invadir o espaço de cada uma. E isso era crucial naquela convivência pois, para Luna, ter que viver ao lado de alguém que mal conhecia e permitir-lhe saber coisas tão íntimas de sua vida podia ser extremamente perturbador.

Sentara-se na pequena mesa da sala, a fim de assistir televisão. Naquele horário, em pleno sábado, não haveria muito o que encontrar, mas não custava tentar se distrair um pouquinho, decide. Começa então a passar os canais impacientemente, até que se depara com uma de suas séries favoritas. Em uma clássica cena de "Friends", Rachel carregava um buquê de flores, aguardando ansiosamente por aquele que descobrira tardiamente ser seu grande amor. Ross chegava de viagem acompanhado, trazendo ao episódio uma pitada do bom e velho "tarde demais". Aquilo lhe deixava triste, pensa. Era tão óbvio que os dois se amavam... Mas então por que não ficavam juntos de uma vez por todas? Ross faria qualquer coisa por Rachel e agora que a personagem se dera conta, seria capaz do mesmo por ele. Então por que era tudo tão complicado? Por que é que o amor não bastava?, reflete. Tinha de reconhecer que Ross sofrera bastante pela garota de seus sonhos, e a mesma não enxergara o que tinha a seu lado. Além do mais, ele a amara desde o instante em que a conhecera e nem ao menos seus defeitos diminuíram o que o rapaz sentia por ela. Talvez Rachel merecesse passar por aquilo, conclui. Pelo menos um pouco. Luna, suspira, interrompendo-se, e muda de canal. Não estava tão afim de assistir àquilo. Por alguma razão, identificara-se com Ross de uma maneira perturbadora.

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