Reclamo ou agradeço?

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Eram 11h45 da manhã de sábado. Cantarolava vagamente Here, enquanto pintava minhas unhas de preto. Olhei minha mão direita, apesar de ser destra fiz um bom trabalho, agora vem a parte difícil. Tentei. Bastante. Bufei irritada e então finalmente admiti a derrota.

- Tia? - chamei do topo da escada de casa, e esperei a resposta. Nada.
A procurei pela sala, cozinha e banheiro.
Passei pela cozinha novamente e corri até a área da piscina. A encontrei sentada em uma espreguiçadeira.
- Você realmente sabe escolher muito bem. - falei me sentando ao seu lado.
Ela pareceu voltar para a realidade, e perceber que o mundo ainda funcionava ao seu redor.
- O que? Por que?
- Por que você escolheu o único dia desse inverno em que resolveu fazer frio nesse lugar, pra ficar aqui fora.
- Não tá tão frio assim. - ela se virou pra mim. Realmente não estava - Eu estou com calor. Quando eu falo que essa gravidez mexeu com meus hormônios, eu não estava brincando.
- É. - dei de ombros - Eu realmente não sei do que você está falando.
- E você. O que quer?
- Eu estou indignada com a sua insinuação de que eu só te procuro quando preciso de algo. - brinquei, mas logo ri - Mas você tá certa. Eu preciso de um favor.
- Se estiver ao meu alcance. E se eu não tiver que me mover, de preferência.
- Pinta as minhas unhas? - pedi mostrando as mãos.
- Por que eu pintaria? - ela me olhou.
- Porque eu sou a sua única sobrinha, e eu você me ama. - fiz uma cara de "óbvio" - Porque eu não consigo sozinha e você não tá fazendo nada.
- Se você me trouxer o esmalte. Não estou disposta a me mover.
- Tá bom. - levantei animada - Vou pegar lá em cima. - saí correndo em direção à escada.

Mais tarde naquele dia, estava sentada na minha cama, o dia havia chegado no ápice total da chatice.
Tudo o que eu queria era pegar o meu carro e ir pra praia, ficar o dia inteiro, se fazer nada mesmo, só olhando as ondas, vendo o movimento e as crianças brincarem.
Mas como o destino é um filho da puta, eu tenho um pulso quebrado. Ótimo.
Eu não sei se eu agradeço por estar viva ou reclamo mais por ter passado não por um, mas dois acidentes de carro e sobrevido.

Pensamentos pessimistas e depressivos? Sim. Com certeza.
Talvez eu precise de ajuda profissional? Também.

Mas isso é o que o tédio faz comigo. Eu começo à pensar no passado, mexer em memórias que deveriam estar trancadas na parte mais profunda e provavelmente mais dolorosa da minha memória.

O barulho da notificação do celular me desperta dos meus devaneios.

"O que você está fazendo?" - Chan perguntou.
"Morrendo de tédio"
"Idem. Tudo bem eu ir pra sua casa?"
"Precisa perguntar?"
"Ok. Tô indo."
"Tchau. Te vejo mais tarde."

Bloquiei o celular e saí do quarto.
- Kat. Você pode vir aqui? - ouvi minha tia chamar.
Andei até seu quarto e avistei a maior bagunça de roupas em cima da cama.
- O que você tá fazendo? - perguntei quando à vi mexendo em seu closet - Tentando encontrar o caminho pra Nárnia?
- Não, engraçadinha. O Rick me convidou pra sair, e eu não consigo achar nada pra vestir. - ela bufou.
Olhei pelos cabides, ajudando a procurar um vestido. Minha tia tem vários, mas não consegue decidir o que usar. Nunca. Especialmente depois de gravida.
- Que tal esse aqui. - mostrei um vestido preto com com pedraria.
- Não serve. - ela mostrou a barriga.
Sugeri mais alguns, que foram rejeitados. E já estava perderdendo a esperança, quando vi um vestido roxo de alças que ao meu ver era perfeito pra ela.
- Esse. - mostrei - Não é possível que não vá servir.
- A esperança é a última que morre, não é? - ela levantou do chão onde estava à algum tempo.

Ela logo voltou pra me mostrar o vestido, e realmente, ficou lindo. Ele tinha uma modelagem mais soltinha, mas devido a barriga dela, ficou do tamanho certo.
- Sério? - perguntei ao vê-la colocar um salto.
- O quê? - ela me olhou - Eu tô grávida, não doente.
Eu ri e dei de ombros.
- Você vai ficar aqui sozinha?
- Não, o Chan vai vir pra cá. - me sentando na cama - Aproveitando a oportunidade. Pode devolver a chave do meu carro?
- Kat. - ela colocou a mão na cintura - Você sabe que não pode dirigir, eu devolvo a chave quando você tirar o gesso. Não se precupe, ele não vai a lugar nenhum.
- Af. Eu só quero meu carro. - falei indignada - Não vejo a hora de tirar esse maldito gesso.
- Você tem que esperar. Não tem outra alternativa.

- Eu atendo. - falei ao ouvir a campainha tocar.
- Ok.
Abri à porta, e o vi sorrir pra mim.
- Oi. - falei sorrindo e dei espaço pra ele entrar.
Encostei na porta, após tê-la fechado.
- Eu tenho que te contar uma coisa. - falou e eu estranhei o tom de voz.
- O que aconteceu?
- Cadê a Jessie?
- Lá em cima, terminando de se arrumar. Por que?
- Ela não pode escutar. - ele se aproximou de mim - Meu pai vai pedir ela em casamento. - disse em um tom baixo.
- Sério?! - praticamente gritei, e ele tampou a minha boca com a mão.
- Kat? Tudo bem aí? - ouvi minha tia falar do quarto.
- Sim. - tirei a mão dele da minha boca - Eu vi uma aranha, nada demais.
- Ah, que bom. Eu levei um susto. - ela desceu a escada - Oi, Chandler.
- Oi. Meu pai, está te esperando lá fora. - ele apontou.
- Mas já? Ele nem sabia se eu estava pronta.
- Eu sei. - ele deu de ombros - Mas ele veio de qualquer jeito.
- Tchau, gente. - ela me deu um beijo - Juizo.
- Tchau. - falei sorrindo - Boa sorte.
Ela mandou um beijo pra nós e fechou a porta.

- Ok. Agora é oficial. Eu não aguento mais esse sofá. - falei após alguns filmes.
- Isso que a gente pode chamar de noite animada.
Me levantei, e fui até o bar que havia em casa, pegando uma garrafa de tequila.
- Quem vota por ficar bêbado? - levantei a mão, e ele logo levantou a dele também.

Descemos para a área da piscina, e ficamos escutando musica.
Eu estava com a garrafa, e bebia enquanto dançava Work da Rihanna, eu estava encontrando problemas para ficar parada.
Ele pegou a garrafa de mim, e bebia enquanto eu ainda dançava ao seu lado.
Parei em sua frente e o olhei sorrindo igual boba, realmente, aquele era o melhor jeito de enganar o tédio de uma noite de sábado. Colocou a garrafa em cima da mesa e se voltou pra mim, com um sorriso torto e seus olhos azuis. E nesse momento eu tive certeza de que me apaixonei mais um pouquinho.
Nós nos aproximamos mais, acabando com o espaço que existia entre nós, passei a meus braços ao redor de seu pescoço e ele me levantou pela cintura, fazendo-me enroscar as pernas nele, sem mais delongas ele me beijou.

Era Pra Ser (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora