Você não sabe como é

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A porta do elevador se abre e eu ando pelo corredor do segundo andar do hospital à procura da Geanna. Cheguei na porta do seu consultório e bati, abrindo-a em seguida.
- Geanna? - chamei entrando na sala.
- Sim, querida. Conseguiu alguma coisa?
"Querida"
- Sim. - eu coloco em sua mesa - Agora é a sua vez.
- Acho que consigo o resultado do exame em alguns dias, talvez em uma semana. Vai vir aqui... Digo, para saber o resultado?
- Claro que sim. - falo - Eu não tive que bancar a fora da lei pra ter esse cabelo e não ser a primeira à saber. - eu me sento na cadeira em frente à sua mesa
- Você parece animada com isso, quero dizer, o resultado...
- A Juliette é uma boa pessoa, eu gostei dela, e também gostei da idéia de ter uma prima.
- Pode comemorar, porque eu tenho certeza de que ela é sua prima. Eu sinto algo diferente por essa garota, deve ser um tipo de instinto materno.
- Não sei... - eu paro - Eu não queria criar expectativa e você também não deveria.
- Eu sinto, não são espectativas, eu realmente acho que ela é minha filha. Você não sabe como ela é parecida com Peter.
- Quem é Peter? - falo confusa - Acho que me perdi aqui.
- Ah! Mil perdões, Peter é meu filho mais novo, tem 19 anos. Eu tive Peter com o meu marido Connor.
- Ah tá. - eu me mexo na cadeira - Então eu tenho outro primo. Legal.
- Esse pelo menos você tem certeza que é seu primo. - Ela ri sem graça.
Eu rio sem mostrar os dentes.
- Pelo menos esse foi criado pela mãe.
Ops... será que eu acabei de enfiar o dedo na ferida? Acho que sim...
Ela me olha de um jeito severo.
- Não foi culpa minha, o que eu mais queria é ter criado a minha filha, mas a sua avó a tirou de mim! - Diz ela se exaltando.
Eu balanço a cabeça com um pequeno sorriso no rosto.
- Eu vejo você aqui, falando do que aconteceu com você, que não teve culpa e tal. - falo calma - Mas você não tem noção do que a Juliette passou, ela era só uma criança, não sabia se defender, não tinha a mãe do lado dela. Não fale como se só você tivesse sofrido. Você já parou pra pensar em como ela se sente e em como ela vai se sentir quando descobrir? Não ache que ela vai aceitar isso tão facil.
- Eu sei muito bem como ela sofreu, não estou dizendo que não. Só Deus sabe o quanto eu pensei nela nestes últimos anos, foi uma tortura, um inferno sem fim, eu até contratei um detetive quando vim aqui para Seattle. - Seus olhos estão marejados - Eu não pude deixar de pensar em minha filha em um só dia, quantas noite eu dormi chorando, com medo que ela estivesse passando fome, com frio, sendo maltratada...
- Então seu medo estava certo. - eu apoio a minha cabeça com a mão - Ela sofreu isso e mais um pouquinho.
- Não seja maldosa...
- Essa não sou eu sendo maldosa, essa sou eu falando a verdade. Quando eu fiquei órfã tive a sorte de ter uma tia que cuidou de mim, a Juliette não.
Você não sabe o que é crescer sem os seus pais, então não venha me falar que estou sendo maldosa.
- Você diz como se eu fosse culpada. Não me julgue, meu maior sonho era encontra a minha bebê e cuidar dela. Não foi culpa minha! E sim, eu sei o que é crescer sem os pais, incluindo, primos, tios... eu também vivi sozinha. Eu fui humilhada e rejeitada por minha mãe. Não diga que é diferente.

"Não foi minha culpa"

- Eu não estou te acusando de ser culpada, Geanna! - me levanto e ando pela sala - Você tinha seus pais lá sim, eu sei muito bem o quanto meu vô sofreu, mesmo não sabendo o motivo. Eu vi. Ele nunca parou de sofrer. Sua mãe podia ter sido uma vadia, mas você teve sua mãe, você à conheceu e nem que seja por um momento teve o amor dela. Você não sabe o que é não ter nenhum dos dois pais ao seu lado.
Foi mal vó - eu penso.
- Como acha que eu me senti quando me levaram para outro país? Eu era muito nova, tinha acabado de ser estuprada... eu sofri muito, e sei como minha filha ficou, eu fiquei exatamente igual. Eu poderia ter ódio por ela, da forma que essa gravidez me arruinou, mas não, eu me apaixonei por ela no momento em que ela nasceu... Ela sempre será a minha princesinha.
- Você era um bebê que não sabia de nada? - eu parei de braços cruzados - Qual é? Não dá pra comparar. - eu respiro fundo - Uma criança, Geanna. Sem a mãe, sem o pai, sem nenhuma família, sem amor em um orfanato. E depois vem a mãe adotiva que é outra vadia.
- Como... o que a "mãe" adotiva fez a ela? O que ela fez com a minha bebê?
- O fato de eu ter falado que ela é uma vadia não deixa claro o suficiente? - eu falo - Ela maltratou a Juliette a vida dela inteira, nunca gostou da garota.
- Como eu queria encontrar essa vaca e matar ela!
Então escutamos uma voz nos enterromper...
" Dra. Geanna, por favor comparecer a sala de enfermagem... Dra. Geanna, por favor comparecer a sala de enfermagem..."
- Desculpe-me, mas o dever me chama, obrigada pelo cabelo.
- Eu estou indo também. - ando em direção à porta - Esse dia já deu o que tinha que dar.

Eu ando até meu carro no estacionamento, sentindo uma mistura de fúria, desapontamento e tristeza, não sei direito se tenho raiva ou pena da Geanna.
Sento no banco do motorista e encosto a minha cabeça no volante. Ela é minha tia, mas eu não consigo... sei lá... eu não consigo considerar ou ter afeição por ela. Toda vez que me encontro com ela, acabo me alterando e falando coisas que não deveria.
Eu levanto a cabeça do volante.
- Na proxima vez que me encontrar com ela, vou tentar ser mais simpática. - falo em voz alta pra mim mesma - Vou tentar.

...

Quase coloco o nome desse capítulo de Quebra pau em família.

Tá bem saudável essa reuniãozinha delas, né nom?

Era Pra Ser (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora