Prólogo [Revisado]

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As sirenes ecoavam ao longe quando eu entrei no carro com o olhar vazio. Eu não conseguia demonstrar emoção depois do que ocorreu. Ou apenas estava em um estado de choque que mal conseguia compreender o que acabara de acontecer. Meu pai havia gritado que eu não deveria chorar. Eu ignorei sua ordem e qualquer outra coisa que ele tenha dito. Cambaleie atrás do meu irmão por entre os corredores escuros, sem me procurar em tomar cuidado por onde passava por conta da falta de luz.

Pulei para fora do prédio abandonado e ignorei o ar gelado da noite de Chicago. Apenas deslizei para o banco do carona ao lado do meu irmão, que tinha um olhar duro e frio. Ele não parecia se importar com o que havia acabado de acontecer e isso me incomodava. Ele seguiu todo o trajeto para fora do prédio e do caminho de volta para casa, sem dizer uma palavra.

Meu pai havia dito que cuidaria de tudo. Era uma mentira como muitas outras. Era demais para mim tudo o que aconteceu naquela noite. Todos aqueles anos foram demais para mim. E esta noite tudo começou a desmoronar. Meu cérebro tentava me convencer de que meu pai seria capaz de dar um jeito em tudo. Meu cérebro também mentia para mim. Eu não era o tipo de cara que acreditava no destino. Mas, nessa noite, ele havia esfregado na minha cara o quão ferrada minha vida era, e o quão ferrada minha vida ainda podia ficar.

Não me preocupei em prender o cinto de segurança, quando meu irmão acelerou para alcançar à avenida, avançando o sinal vermelho e se misturando aos outros carros no caótico trânsito de Chicago. Aquela merda toda não era mais uma que estaria resolvida na manhã seguinte. Quando acordássemos, não será como se nada tivesse acontecido. Parte de nossas vidas não existia mais e seríamos obrigados a encarar isso cedo ou tarde.

Não encarei meu irmão quando saltei do carro e segui pelo gramado mal cuidado em direção a casa, pisando sobre as folhas secas de outono que se acumulavam por toda parte. Subi as escadas e parei de frente para o quarto dele. Abrir a porta como se fosse encontrá-lo lá dentro, jogado sobre a sua cama com o joystick nas mãos enquanto ele tentava avançar mais uma fase do seu novo jogo favorito.

Ver o quarto foi como um soco que me acertou em cheio, fazendo-me encolher junto à porta. Por alguns segundos eu acreditei que a última hora teria sido uma mentira. A certeza fez com que eu desmoronasse. Sem mais descrenças, todo tipo de emoção me invadiu, me sufocando diante da visão de um quarto vazio.

- ­­­Nosso velho rodou. - a voz sem emoção do meu irmão parecia ácido nos meus ouvidos. Empurrei a porta para que batesse e me deixa-se sozinho. ­­

Um buraco se abriu na minha vida e estava me sugando para dentro dele. No amanhecer, tudo aquilo que eu chamava de vida estaria perdido em destroços que não conseguiriam ser reparados. Já estava desgastado por viver durante anos em uma mentira. Eu tentei me convencer de que aquilo era o melhor que eu conseguiria. Estava preso a uma vida que eu não escolhera, ela apenas havia caído sobre mim.

Encolhi sobre a cama e abracei o travesseiro, inspirando o cheiro preso a ele. Dentro da minha cabeça algo gritava que eu devia me mover, não era hora de parar. Mas eu decidi ignorar qualquer instinto e permaneci na solidão do quarto. Eu ouvia o barulho que vinha do cômodo ao lado. Meu irmão não estava ignorando o instinto dele. Isso não me surpreendia. Fomos criados para agirmos daquela maneira, ele só estava fazendo o que aprendeu.

Chicago nunca foi silenciosa, nem mesmo a noite. O silêncio não combinava com a nossa vizinhança. Havia sempre o som da briga de algum vizinho, ou uma festa na casa ao lado. Ou simplesmente barulho. Mas silêncio nunca. Exceto aquela noite. Eu não ouvia nada além da minha respiração baixa e os soluços que escapavam regulamente da minha garganta. Até mesmo o meu irmão fez silêncio.

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