Anahí: obrigada por ter vindo comigo.
Aquela não era a primeira, nem seria a última vez em que eu agradeceria Dulce por ter voltado às pressas de uma viagem importante para me acompanhar até Chicago, para o enterro de tia Sara.
Eu sabia que seria difícil. Mas não imaginava que seria tanto.
Dulce: não vou responder mais a esse tipo de comentário - brigou. - Já está tudo pronto?
Anahí: não tirei nada da mala. É só passar pelo hotel e pegar nossas coisas.
O enterro tinha acabado de acontecer e a paz contraditória que nublava aquele lugar me oprimia de uma forma agoniante. Apesar de olhar em volta e ver um bonito e amplo gramado, o que incomodava realmente era seu significado. Minha única família estava ali, agora, embaixo daquela superfície verde bem cuidada.
Dulce: ótimo. Vamos embora deste lugar.
Havíamos chegado à Chicago no dia anterior e, por ser a única parente, eu tinha tido de lidar com todos os trâmites burocráticos e dolorosos para a liberação do corpo. Tia Sara tinha sofrido um infarto fulminante, sozinha em casa. Sem ninguém para socorrê-la.
E eu estava à milhares de quilômetros de distância.
Embora tivesse ouvido do médico que a atendeu na emergência que muito provavelmente ela não sobreviveria àquele ataque, com ou sem socorro imediato, eu não conseguia desfazer aquela pontada dolorosa e impotente de culpa por não ter estado por perto quando ela mais precisou. Como ela esteve comigo, quando eu havia precisado.
Eu não havia conseguido salvá-la. E a incerteza do que exatamente tinha acontecido naquele dia, se ela tinha sofrido ou se tinha sido rápido e indolor, me atormentava como nunca algo me atormentara antes.
Eu já não tinha lágrimas, só aquela sensação de perda avassaladora. Esta não me deixava e, eu tinha certeza, nunca deixaria.
Um dia poderia doer menos. Mas nunca deixaria de doer.
"No fim você coloca um sorriso no rosto e finge que é sincero, até que a vida o faça realmente ser." (Caio Fernando Abreu)
Quase uma semana havia se passado e tudo continuava do mesmo jeito. Aquela sensação inconfudivel de vazio não me deixava.
Era sexta-feira e eu estava enrolada num cobertor grosso e quente, deitada no sofá e fingindo para mim mesma que lia um livro. Passava das dez da noite, e eu estava na mesma página há quase uma hora. Talvez mais que isso.
Quando o silêncio completo foi quebrado pelo som agudo da campainha, eu quase dei um pulo no sofá. E a primeira imagem que veio à minha mente, por mais que eu tentasse expulsá-la com todas as minhas forças, foi a de Alfonso.
Desde aquela noite, quando eu havia corrido até ele, desesperada, bebido mais do que devia e feito todo o resto que vocês já sabem, aquilo vez ou outra acontecia. Quando eu menos esperava - ou precisava pensar nele -, lá estava sua imagem, gritando em minha mente, quase saltando aos meus olhos.
E aquilo me irritava.
Irritava por eu ter plena consciência de que a culpa por aquilo acontecer ser única e exclusivamente minha; por eu ter me deixado levar; por ter bebido demais e perdido o controle; por ter corrido para ele quando devia ter me fechado em mim, abraçado os joelhos e chorado sozinha, como já era tão habitual em minha vida. E, o principal, me irritava o fato de eu ter me sentido tão bem com seus carinhos e aconchego.
Jogando o cobertor para o lado, me arrastei para a porta.
Não era ele.
Dulce: como você está horrível - se eu não tivesse saído de sua frente, ela teria me empurrado em meio à sua entrada triunfal. - Anda, vai dar um jeito nesse rosto. Nós vamos sair.
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O Pecado Mora Ao Lado
Lãng mạnAlfonso sempre foi um playbozinho quando adolescente; no colégio, o mais popular, o mais bonito, o menos acessível, aquele com quem as meninas dariam tudo para serem vistas em companhia. Aquele que brincava com tudo e com todas; aquele que fazia apo...