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Ao contrário do que reza a lenda, eu me arrumei primeiro que ele. Quando desci, não vi nem sombra sua pela sala ou pelo pátio, onde algumas pessoas ainda comiam, embora a maioria já tivesse terminado. Fiquei sem graça, mas somente até Ruth aparecer, saída sabe-se lá da onde, para me recepcionar com toda a espontaneidade do mundo.

Ruth: ah, aí está você - sorriu, carinhosa. - Pensei que não fosse aparecer nunca para dar de comer ao meu neto.

Embora soubesse que ela falava com a melhor das intenções, eu ainda me sentia uma simples incubadora humana quando me diziam aquilo. Era como se minhas necessidades fossem todas suprimidas pelas do meu filho.

Anahí: eu não estava com fome - dei de ombros, sorrindo. - Mas vou comer um pouquinho agora.

Ruth: onde está Alfonso?

Anahí: acho que ainda está no banho - involuntariamente, senti meu rosto corar. - Em seu quarto. Eu estava no meu.

Ela deu um tapinha em minhas costas, confidente.

Ruth: não precisa me explicar nada, querida. Eu estou realmente feliz por vocês. - Minha única reação foi sorrir, constrangida. - Eu disse que vocês iam acabar se acertando. Quando há amor, não há nada que não se possa ser resolvido.

Mais um sorriso sem graça e ela me deixou escapar, com a desculpa de ir buscar minha comida. Suspirei aliviada ao me ver livre.

Embora tenha sido por menos tempo do que eu esperava.

Melissa: sabe, vocês ainda não conseguiram me convencer.

Quase dei um pulo, o prato a ponto de saltar de minhas mãos. Respirei lenta e profundamente antes de me virar para ela.

Anahí: está falando comigo?

Melissa: você e Poncho. Todo esse amor forçado. Poncho não é desses.

Anahí: talvez ele não seja desses com mulheres como você - comentei com um sorriso, uma indiferença perfeitamente esculpida e forjada. - Já parou para pensar?

Melissa: nós nos conhecemos há tempo demais. Há mais tempo do que ele conhece você.

Anahí: caramba - murmurei, chocada. - E ainda assim você não conseguiu nada? É nesse momento que eu finjo ter pena de você, não é?

A raiva saltou de seus olhos, fuzilante.

Melissa: eu não preciso de pena de alguém como você.

Anahí: como seria alguém como eu? - larguei o prato sobre a mesa, dando-lhe toda a minha indiferente atenção.

Melissa: uma golpista barata. Alguém que acha que vai conseguir segurá-lo enfiando-lhe um bebê goela abaixo.

Eu sorri, balançando a cabeça em negação.

Anahí: pena que ele não te deu a oportunidade de tentar o mesmo golpe, não é? Ele nunca quis nada com você.

Melissa: ele te disse isso? - perguntou, debochada.

Aquelas foram as primeiras palavras, de todas as que ela disse, que me atingiram.

Anahí: e não é verdade?

Melissa: você acha mesmo que ao longo de todos esses anos nós nunca tivemos nada? - questionou, completamente deliciada. - Você é muito inocente para uma golpista, Any querida.

Recusei-me a dar a ela o prazer de me ver abalada. Mesmo que aquelas palavras estivessem girando vertiginosamente em minha cabeça.

Anahí: e você é diabólica demais para quem tem um rostinho tão doce, [i]Mel[/i].

O Pecado Mora Ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora