Capítulo 2 - Estranhas

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O som das gotas de chuva é mais sereno pela manhã. Minha cama agora está quente e confortável, o que só aumenta meu desejo de permanecer ali. Relaxo as costas e abro os olhos.

Meu primeiro pensamento é: Jane.

Esforço-me para sentar o mais depressa e vasculho o quarto a procura da misteriosa mulher ruiva, mas ela não está lá. Esperando que eu acordasse ou olhando-me com a imensidão negra.

–Parecia tão real – falo comigo mesma. Puxo os pés dos lençóis e os coloco na madeira fria. O quarto parece intocado. Luminária no mesmo lugar, assim como as cartas. Apesar disso tenho uma estranha sensação entalada na garganta.

Meu celular toca e dou um pulo assustada. É o alarme. Oito e meia da manhã.

Só então me dou conta do dia que amanhece. Meu último dia na casa dos meus pais. Hoje é a data mais esperada da minha vida.

Tiro, no alto do armário, uma mala marrom cheia de poeira. Tusso assim que essa cai em cima da minha cabeça.

Começo a tirar as roupas do cabide e jogá-las de qualquer jeito no fundo vazio, separando uma muda para que eu pudesse vestir mais tarde. Despeço-me de alguns livros e arrumo a cama. Tiro debaixo do colchão todo dinheiro que tenho e o coloco em segurança entre as mudas de roupa. Olho para o quarto praticamente vazio e sorrio.

Eu definitivamente não vou sentir falta daqui!

Abro a porta e arrasto a mala até o corredor. Há cheiro de panquecas no ar, o que faz meu estômago roncar. Entro no banheiro rapidamente e percebo que a porta do quarto dos meus pais está fechada. Isso significa que eu não tenho que olhar para a expressão desprezível do meu pai mais uma vez antes de partir. Meu rosto refletido parece mais corado e descansado do que a noite passada. Penteio os cabelos com pressa e jogo uma água no rosto. Pego meus pertences pessoais, ansiosa. Abro a mala ali mesmo e os guardo.

Não tenho muita coisa. Estou pronta para partir.

Ando até a sala e vejo minha mãe fazendo palavras cruzadas de caneta. Sei que está nervosa porque balança o pé. Quando nota minha presença ela se levanta, limpando as mãos na calça de pano.

–O-Oi! – diz tentando parecer animada. Provavelmente espera que eu tenha deixado para trás o que aconteceu ontem.

–Oi – retruco sem a mínima emoção. Ficamos nos olhando por um longo tempo sem saber o que dizer. No fundo eu não desejei brigar com Helena logo no dia em que estou indo embora. Um peso profundo aperta meu coração ao ver os olhos castanhos pedindo clemência. Por outro lado eu não consigo deixar de sentir raiva dela por continuar aqui.

–Já vai? – tenta puxar assunto. Afirmo com a cabeça.

Há uma longa pausa.

Percebo que ela está com os olhos vermelhos e o rosto inchado. Deve ter chorado a noite toda. Volto a fitar o chão, constrangida. Não sei o que dizer.

–E-Eu... ér, me desculpe por ontem eu... – Helena se engasga nas próprias palavras e um suspiro triste vem logo em seguida.

Sei. – digo com descrença. – Sabe que sempre manterei minha opinião sobre você e o... – Ao invés de dizer o nome e arriscar mais um pequeno descarrego em minhas costas eu apenas aponto para o quarto de porta fechada que, do lado de fora, dá para ouvir o ruído de um ronco interminável. Ela abaixa a cabeça como se a minha resposta não fosse o suficiente para aliviar a sua dor.

–É só que... – Não há mais voz para as palavras. Desvio o olhar sabendo que é cruel demais continuar ali e vê-la sofrer. Cruel com nós duas. E eu não quero isso. Quero que ela chore de felicidade por eu finalmente me tornar independente. Que chore porque irá sentir minha falta.

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