Páginas inicias de O Quinto Elemento (parte 2)

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Capítulo 2 - O retorno

Me encolho por um instante assustada com o barulho da pesada tempestade de neve do lado de fora, batendo contra minha janela. Termino de fechar a mala e corro os olhos pelo quarto, tentando encontrar algo que deixei para trás. A sensação de deja vu me domina por completo, já que há alguns meses atrás eu me encontrava na mesma situação. Mas é claro que tudo mudou.

Me dirijo ao banheiro e reúno o restante das minhas coisas. Assim que termino, olho rapidamente meu reflexo no espelho e me ajeito. 

Duas mechas do meu cabelo – de cada lado do rosto – estão trançadas e presas na parte de trás, formando uma tiara negra na minha cabeça. Há um pouco de maquiagem escura nos meus olhos, destacando a cor do cinza, e meus lábios estão pintados com um batom cor-de-boca. Não sou muito de maquiagem, mas decidi usá-la hoje apenas por ser um jantar especial e, é claro, para disfarçar as olheiras. 

Não consegui dormir durante a noite. A culpa não é dos pesadelos que tenho por ter me tornado uma Guardiã recentemente. Na verdade, eles já estão sumindo aos poucos. Mas sim da minha cabeça, pensando sem parar, e do medo do que está por vir. Acho que bem lá no fundo eu sabia que a Organização voltaria, eu só estava me enganando dizendo que tudo ficaria bem dali para frente.

Notando que estou olhando para o nada, sacudo a cabeça e saio do banheiro. Meu pai desvia os olhos da televisão para pousá-los em mim assim que percebe minha presença. Ainda tem mais uma inquietação para acrescentar à lista do que me tirou o sono: contar para ele que estou saindo de casa. De novo.

–Aonde você está indo? – pergunta meio bravo, já se levantando do sofá. Uma lufada de ar cheirando cerveja e mofo chega até mim e preciso engolir em seco para não fazer uma careta.

–Estou me mudando – tento esconder a mala atrás das minhas pernas, imaginando que se ele não a ver será melhor, mas é tarde demais. Olha fixamente para ela, com a cabeça inclinada, como se estivesse tentando entender.

–Com que dinheiro? – ele reclama, tomando um grande gole da garrafa de vidro quase vazia –Você perdeu tudo que tinha com aquele apartamento-fantasma da internet.

Quando retornei precisei inventar para ele sobre como fui enganada com o anúncio e acabei tendo que dormir na loja de Josh porque estava com o orgulho ferido demais para voltar para casa. Ele, particularmente, adorou essa parte. E que só depois de um tempo Lúcia me ligou e pagou as passagens para que eu fosse ficar com ela. Pelo menos a parte do engano é verdade. Jane me devolveu o dinheiro e eu tive que usá-lo no enterro da minha mãe e da minha avó. Ela quis pagar tudo, mas não deixei, afirmando que eu sentiria como se meu dever não estivesse cumprido. O que é verdade. No fim, Jane entendeu.

–Ficarei na casa de uns amigos. – digo, sem querer dar muitos detalhes.

–Que amigos? Você não tem amigos.

–Você é que pensa! – retruco com desdém.

–Tenho certeza! – ele eleva o tom, erguendo as duas sobrancelhas de uma vez só.

–Você não me conhece – explico e sinto um vazio no peito ao dizer isso. Por um momento penso que o que vejo nos seus olhos é remorso, mas depois noto que é apenas o brilho normal que a bebida deixa neles.

Solto um suspiro e pego a minha mala.

–E porque está toda produzida assim? – ele aponta para mim da cabeça aos pés.

–Não sei se você se lembra, mas hoje é noite de natal. Estou indo para um jantar. – lhe dou as costas e caminho em direção a porta. Eu e abro e reflito se devo dizer algo antes de partir.

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