Epílogo - O começo do fim

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Nova York, clinica especializada, Rua Áurea numero 6, sétimo andar. Três e cinquenta e nove da tarde.

Um mês depois

Saio de dentro de um quarto branco, acenando para o Enviado da cura que me atendeu. Estou em uma espécie de consultório criado por muitos deles. Aqui eles recebem as pessoas que não podem pagar um tratamento caro em hospitais comuns. Quando passo pela pequena recepção e as vejo, esperando para serem atendidas, penso que não fazem ideia da sorte que tem.

Depois que retornamos, tenho feito várias sessões com eles a fim de curar por completo meus ferimentos. Minhas mãos ainda estão enfaixadas e me disseram que, apesar de já estarem sarando, ficarei com marcas nas palmas.

Como se uma lembrança martelando no meu coração já não bastasse para reviver aquele dia.

Minhas costas também estavam machucadas. Pelo visto quando o moinho explodiu um tijolo passou raspando nas minhas costas, abrindo um corte feio. Com sorte não me atingiu, ou eu teria quebrado uma vértebra. Fora isso estou bem fisicamente.

Ando até o final do corredor e paro de frente ao quarto.

Olho através do vidro.

A pessoa deitada na cama não se parece com James, mas a realidade é dolorosa. Um mascara de gás está em cima dos seus lábios e sua mão direta está ligada a uma bolsa de soro. Os televisores ao seu redor mostram seu estado e, mesmo sem entender nada, não consigo desgrudar os olhos deles.

Como se em um piscar de olhos eu fosse perdê-lo.

Foi assim que três pessoas partiram da minha vida.

Assim que o levamos para o primeiro hospital em Florianópolis, voltamos para buscar os corpos de Helena e Lúcia. James foi transferido para cá e eu decidi que queria que as duas fossem enterradas aqui, perto de mim. O velório foi mais doloroso do que pensei. Acho que a ficha de que elas se foram finalmente caiu.

Suspiro.

Se eu virar um pouco a cabeça a luz me mostra no vidro. Também não consigo me reconhecer. Manchas escuras rodeiam meus olhos assustados e estou mais magra do que costumava ser. Frágil, como uma boneca de porcelana.

–Chegou agora?

Jane aparece de repente e fica em pé do meu lado, sem me olhar. Nego com a cabeça.

–Estou aqui desde as oito da manhã.

–Como ele está?

Dou de ombros.

–Na mesma. Perguntei aos Enviados sobre seu estado e eles me disseram que está estável. Mesmo assim o coma pode durar bastante.

Estremeço ao pensar que ele jamais poderia acordar. Jane massageia os olhos.

–Sim, mas James vai acordar.

Desejo chorar, mas não consigo. Transformei-me em um poço vazio. Ela se afasta e sei que vai buscar um café. Tem tomado muitos ultimamente. Café e calmante: é a maneira que ela encontra para enfrentar a situação. Está sendo difícil para todos nós.

Os Enviados que estavam conosco voltaram para o México, onde fizeram o enterro de Evan. Eu gostaria de ter ido, mas não consegui deixar James. Por esse motivo, sinto que tenho um assunto inacabado com ele. Sinto sua falta.

Eu gostaria que tudo pudesse ter sido diferente.

O mundo praticamente voltou ao normal, mas não para nós. Parece que estamos vivendo de cabeça para baixo. A Organização ainda está com o elemento da água, mas sumiu do mapa e Dylan disse que acha que existem duas possibilidades que explicaria isso. Ou eles estão tramando ou vão recuar por um tempo. Ou os dois. Não importa. Não agora.

Jane retorna, levando o copo plástico aos lábios.

–Eu vou embora. – digo com pesar. Estive pensando nisso ultimamente. Há treze dias sinto que estou vivendo em um estado vegetativo. Não consigo dormir, comer ou ao menos pensar em outra coisa que não seja James, Helena, Lúcia ou Evan. A culpa está me matando aos poucos.

–Tudo bem, eu fico aqui com ele.

–Não, Jane, você não me entendeu. Vou me afastar por um tempo, de todos vocês. – um gosto amargo invade minha boca.

–O que? – franze as sobrancelhas.

–E-Eu não posso ficar vindo aqui todos os dias como venho fazendo. Já faz um mês e ele não acordou ainda. Entende? E se... não acordar? Está doendo muito. É insuportável olhar para ele e saber que deveria ser eu naquela cama.

Ela toca meu braço.

–Você não acha que é assim que James se sentiu quando você foi baleada para salvar Maria? – diz ela, em um tom materno.

–Foi apenas três dias, Jane. Isso está me matando.

Ela repuxa o lábio.

–Eu sei como se sente.

–Só preciso de um tempo sozinha para enfrentar essa situação.

–Katherine... – tenta me consolar.

–Estou tentando ser forte, mas não é tão fácil como dizem por aí. E me afastar parece a melhor solução no momento. – encaro meus tênis. Jane me aperta contra seu corpo. Eu a abraço como se fosse a última vez que eu a veria.

–Eu te aviso qualquer coisa. – diz ela com um sorriso.

Concordo com a cabeça e dou uma última olhada em James. Aperto o colar do olho grego pendurado no meu pescoço. Atravesso a porta no final do corredor, destruída.

Com a cabeça baixa enfio as mãos no bolso e sinto o colar do moinho lá dentro. A lâmpada fluorescente no teto o faz brilhar. Ele é a prova material de que tudo que vivi é real.

O enfio pela cabeça porque foi assim que começou.

Depois, sigo em frente.

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