Até pouco mais da metade do caminho, Fuku e Ernest foram juntos, mas pouco foi dito. Ambos sabiam e presenciaram aquele momento. Para um, a salvação, para outro, a culpa. As poucas palavras ditas foram para marcar de jogar videogame na casa de Ernest. Atravessaram a esquina. Cada um foi para um lado. Fuku avistou a banca de jornal onde Ernest comprava suas revistas. Passou pela farmácia cumprimentando o atendente. Por fim, parou em frente a um casarão velho cintilante cor de sangue e janelas largas. Respirou fundo e entrou.
Fuku foi logo retirando seu mocassim, a fim de não fazer barulho no gélido chão amadeirado. Sorrateiro, esgueirou-se entre uma infinitude de tralhas e objetos de diversos países que seu anfitrião visitara ao longo da vida.
Entrou ligeiro em seu quarto e se jogou na cama. Ficou olhando para o nada por um tempo. Suspirou. O que direi a ele? Estou ferrado!
Olhou para o relógio de parede do simplório quarto. Revirou os olhos. Balbuciou algo sem sentido. Coçou a careca, inquieto. Sabia que receberia uma punição por perder o horário do almoço e a oração diária. Óbvio que ele não teve culpa. Entendia que não fora ele quem começara toda aquela confusão na escola. Mas, assim como seu mestre, o senhor Ge Shui era irredutível. Talvez o mestre de Fuku houvesse pedido para o irmão pegar pesado com ele. Ou quem sabe Ge realmente fosse severo. O fato é que os mesmos costumes e horários do mosteiro eram mantidos na casa de seu tio.
Ainda deitado, Fuku esticou o braço e abriu a gaveta da escrivaninha ao lado da cama. Tateou o fundo dela até encontrar sua japamala, composta por 108 contas de sementes de Rudraksha.
Levantou da cama e foi até o banheiro para se refrescar. O dia seria árduo. O treinamento, maçante. Talvez ainda consiga almoçar, pensou sem acreditar nas palavras.
Após o banho, enrolado na toalha, foi de encontro ao seu guarda-roupa marrom de porta dupla. Um espelho cobria uma das portas, e Fuku olhou para si. Passou a mão em sua cabeça. Sereno, seus olhos não demonstravam sentimentos. Abriu uma das portas e retirou seu impecável uniforme de treinamento feito exclusivamente para ele: túnica laranja de uma manga só, calça da mesma cor da túnica, cinto de tecido preto, meias brancas de cano alto e um fino tecido preto para envolver o braço e a perna. Antes de partir de sua cidade, Dengfeng, na China, seu mestre Feng Shui deixou-lhe de presente tal uniforme. Vestiu-se e, após olhar-se novamente no espelho, fungou. Saiu do quarto para encarar seu destino.
Atravessou um pequeno corredor abarrotado de livros e algumas bugigangas. Parou. O silêncio era grande. Colocou a cabeça para fora e olhou rapidamente no vão da parede entre o corredor, a sala e a copa/cozinha. O prato de comida estava sobre a mesa, próximo de dois hashis. A comida parecia saborosa, quentinha; arroz integral, lentilha, batata soutê e hambúrguer de soja. Fuku salivou. Umedeceu os lábios. A barriga roncou. O chinesinho esfregou as mãos rapidamente até senti-las aquecidas. Olhou para a sala e não viu o senhor Ge Shui. Será que tirei a sorte grande?, pensou o garoto, caminhando sorrateiro. Olhos de águia. Audição de morcego. Sentidos apurados. Aproximou-se do prato. Então fechou os olhos e inspirou com vontade, a fim de sentir todo o cheiro que aquela comida proporcionava. Esfregou as mãos novamente e depositou-as sobre a mesa.
A pancada foi rápida e precisa. Fuku conseguiu ser mais rápido ainda e retirar as mãos antes que elas sofressem o golpe. O bastão chocou-se contra a mesa e o prato voou lentamente.
— Estava pensando em comer? — uma voz rouca e sarcástica ecoou por todo o ambiente.
— Eu, não — mentiu o garoto, sorrindo. — Estava apenas analisando esta deliciosa comida. Mas nada de fome. Zero fome. Nem pensei em comê-la — olhou torto.
O velho gargalhou. Ge Shui era um senhor calvo com uma enorme cabeleira branca caída até os ombros nos extremos da cabeça. Aparentava ter sessenta e poucos anos e tinha uma estrutura curvada devido a anos de colheita na lavoura, mas ainda era um excelente lutador. Trajava um leve conjunto preto composto de blusão e calça brim larga.
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PROTETOR DA GALÁXIA
FantasíaDeus nos protegeu por muito tempo. Porém, após ser derrotado pelo temível Zaphatar, um novo torneio foi aberto nos confins da galáxia. Agora cabe a Fuku, um pacato chinês, e seus amigos deixarem suas vidas na Terra para uma jornada repleta de desafi...