Capítulo 20

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E assim três meses de preparativos e intensos treinos se passaram.

A noite de céu roxo estava agitada. Milhares de seres de toda a galáxia adentravam a arena e se acomodavam nas arquibancadas. Katy e Ernest haviam descoberto no mês anterior que custava muito assistir a todo o torneio. Ernest até tentou pagar. Retirou milhares de dólares da carteira, mas o caixa de uma espécie de banco olhou estranho para ele. O miúdo ser, parecido com uma barata de óculos e roupas comportadas, fitou as notas sem entendê-las. Quando Ernest finalmente achou que a criatura aceitaria seu dinheiro, ela abriu a boca e o comeu. Por sorte, e para surpresa dos terráqueos, EnlaiT era um dos mais ricos de seu planeta.

Se você é bom em alguma coisa, não a faça de graça, NI, o marciano lembrou da frase que seu pai sempre dizia. Sem pestanejar, retirou de seu marsúpio uma estranha pedra dourada de pouco mais de cinco centímetros. — Entrada para três — ele disse. O caixa do banco rapidamente passou o scanner, fazendo a tonalidade da rocha mudar para um dourado mais acentuado.

Chegaram cedo, mas não tão cedo quanto a monstruosa bola de pelos de uns dois metros e meio de altura e comprimento que ficou na frente deles. Muitos xingaram, principalmente uma velhinha de 7,4 eras idêntica a uma tartaruga, com nariz avantajado e casco extremamente colorido. Ernest olhava para Katy, que olhava para EnlaiT. Seus rostos entregavam a inquietude que sentiam. Naquele momento, desejavam não entender o que a velha dizia. O marciano pensou que aconteceria uma briga antes do início do torneio, mas aquela gigantesca bola de pelo era, na verdade, um conjunto de dezenas de pequenas bolinhas menores, que logo se dispersou. Katherine riu e olhou para a tartaruga espacial, que finalmente se aquietou.

Ernest, ansioso para a cerimônia de abertura do torneio, olhava sistematicamente para todos os lados. — Quando que vai começar? — perguntou para Enlait. No mesmo segundo, todo o interior da redoma se apagou.

— A hora é agora — uma voz desconhecida falou. — Estão preparados? — a multidão gritou e vibrou. — Não ouvi direito. Estão preparados? — a arquibancada foi à loucura, emitindo todo tipo de som. Uma batucada se iniciou ao fundo e o misterioso locutor voltou a clamar: — Estavam com saudades do torneio? Eu, sim! — a voz silenciou. — Podemos começar?

Katy pensou que a arquibancada iria ao chão devido à loucura generalizada. Então ouviu-se uma espécie de música instrumental e, do centro da área reservada para as lutas, uma luz verde cortou o céu, seguida de um estrondo e um clarão. Segundos depois, mais um feixe de luz, desta vez vermelho, e novamente uma explosão. E mais outra. E outra. Os olhos da garota brilharam de excitação. Admirada, falou ao pé do ouvido de Ernest: — Parecem fogos de artifício! — O show pirotécnico aumentou de intensidade em uma mistura de cores, formas e sons.

Ao fim, o silêncio e a escuridão retornaram. Pôde-se notar diversos pontos brilhantes avulsos na arquibancada. Eram estranhas criaturas, similares àquelas saídas das profundezas oceânicas, carregando em suas costas aparatos que serviam para armazenar as diversas guloseimas vendidas para os torcedores. Alguns ainda comiam e bebiam por qualquer motivo que fosse.

As luzes de bioeletricidade se acenderam e a plateia vibrou loucamente. O locutor, então, revelou-se. — Sejam todos bem-vindos ao torneio! — Um ser vermelho-coral de corpo raquítico e aparência humana com pequenos chifres na testa falou num tom cordial e sereno. Trajava uma roupa protetora similar a de um jogador de futebol americano. Além de comentar, ele também agia como juiz das lutas. — Teremos um torneio excepcional, com muitas novidades. Mas antes preciso perguntar. Estavam com saudades de mim? — disse, levando a mão até um dos ouvidos enquanto a outra segurava um aparato bem similar a um microfone roxo.

A arquibancada gritou: — SIM!

— Estavam com saudades do torneio?

Gritaram ainda mais alto.

— Muito bom. Muito bom. Ficou feliz que estejam animados, pois eu estou. — Enquanto olhava para os lados, remexia a boca, como um cacoete. — Eu estava com saudade. Muita saudade. Não que os outros torneios não fossem bons. Não, não. Todos foram excelentes. Mas eu tenho um carinho especial com os torneios à moda antiga, antes de Deus — fez uma leve careta, fazendo a plateia gargalhar. — Antes, eles tinham emoção; um entusiasmo e uma garra a mais. Depois que Deus tornou-se o Protetor da Galáxia, o torneio se transformou em... merda? — A criatura raquítica articulava as palavras com acidez e gesticulava com desprezo, levando o público ao delírio com suas mímicas. — Não havia o despertar total da aura. Não havia sangue. Não havia... morte. Agora, teremos tudo... de novo! — sorriu, mostrando os caninos avantajados.

A plateia explodiu em palmas e gritos de concordância.

— Vejo que vocês gostaram da novidade. Foi obra do nosso Protetor da Galáxia interino — fechou os olhos quando uma nova salva de palmas ocorreu. — Será que alguém o vencerá? — balançou a cabeça. — Eu duvido. Eu sei em quem apostarei. Então não percam seus dinheiros. Apostem no vencedor. Mas não quero ser parcial — riu para si. — Não! Não! Longe de mim — pausou. — E, claro, antes de terminar, não poderia deixar de falar algo importantíssimo — o sujeitou ficou com os olhos compenetrados na plateia. — Deus nos enviou algo único. Acreditem se quiser, mas temos um Categoria Sete — debochou. Era nítido que o anunciador do torneio estava sendo tendencioso. Principalmente quando o assunto era sobre os terráqueos. O Protetor da Galáxia interino havia exigido que falassem mal dos terráqueos sempre que possível. Novamente a arquibancada correspondeu com risadas e zombarias. — Pessoal, pessoal — disse, abanando uma das mãos —, sem mais delongas, vamos apresentar os candidatos.

Luzes focaram as rampas, de onde saíam os participantes. Centenas de milhares. Ovacionados. E, dentre tantos seres peculiares, dois chamaram a atenção: os apadrinhados de Deus. Os terráqueos do passado sempre haviam sido do Nível Alto e, por isso, os favoritos do torneio. Porém dessa vez a vitória era praticamente nula. Claro que Zaphatar foi o último a entrar, e já foi sentando em seu trono no alto da arena. Acompanharia tudo de longe.

A entrada de Fuku, porém, superou a dele. Por mais que fosse Protetor da Galáxia interino, a plateia estava mais curiosa com o primeiro ser de Nível Baixo, Categoria Sete. Choveram palmas e, obviamente, risadas. Zombaram. Alguns até chegaram a jogar guloseimas nele.

O locutor se aproximou do garoto. Malicioso, deu dois tapinhas em suas costas. — Espera vencer? — levou o microfone até a boca do terráqueo com um sorrisinho no rosto.

— Eu...

— Como um ser tão fraco entra em um torneio?

— Eu...

— Que azar, meu amigo. Justo o torneio que está liberado matar! — provocou, afastando-se.

Arkor, o tigre em chamas, aproximou-se o quanto pôde de Zamir e lhe disse que muitos planetas se uniram, apresentando apenas um defensor, e que, por isso, havia muito menos participantes. Além disso, todos temiam a força de Zaphatar.

O apresentador do torneio permaneceu em silêncio no centro da arena. Talvez pensando em suas próximas palavras. O foco estava nele. Sabia disso. Por fim, umedeceu os lábios carnudos. — Temos mais uma novidade. Todos os participantes receberam um dispositivo que analisará o número de vitórias e derrotas. Mas deixarei o pronunciamento final para nosso amado Protetor da Galáxia interino — finalizou com um sorriso de missão cumprida.

O Protetor da Galáxia interino se levantou do trono feito de troncos de árvores e ferro retorcido. A arquibancada nunca esteve tão calada e amedrontada. A voz chiada e grossa, que se assemelhava ao sibilar de uma cobra, falou baixa e serena: — O torneio começará agora. Neste instante. Vocês lutarão entre si até quando eu desejar.

A plateia não sabia o momento em que poderia ou não reagir. Alguns arriscaram aplaudir. Então o ser de pele cinza preenchida pelas dezenas de queloides douradas que formavam desenhos desconexos gritou de forma arrogante: — Lutem e morram todos de uma vez!

PROTETOR DA GALÁXIAOnde histórias criam vida. Descubra agora