Após o discurso, Fuku desceu as escadas. A sinceridade das palavras do garoto tocou de forma visceral o íntimo de cada ser. Ele foi aplaudido pelo que pareceu uma eternidade.
— E agora? — perguntou para os amigos.
— Voltaremos para nossas vidas sabendo que você nos protegerá, NI — disse EnlaiT.
Caminharam até o ambiente que se assemelhava à sala de treinamento de uma estação espacial. Os receptáculos cilíndricos verticais estavam prontos para as viagens de retorno dos participantes e espectadores aos seus planetas de origem.
Leroy olhou para os companheiros com tristeza. — O meu é mais para o fundo. Acho que agora é o momento de nos despedirmos.
— Eu te acompanho. O meu é próximo do seu — sugeriu Arkor.
— Passamos tanto tempo aqui que até me acostumei — sorriu Ernest, carregando a câmera Polaroid presa por uma alça envolta do pescoço. — Eu os verei novamente?
— Creio que não. São poucos os planetas com tecnologia para essas visitas. Só o Protetor da Galáxia consegue, por conta da aura remanescente. Foi muito bom conhecer vocês.
Leroy, com um único abraço, aconchegou o mexicano e o marciano. — Até mais, e, Fuku, cuide de nós — piscou para o amigo.
Arkor e Leroy caminharam até suas cápsulas. As linhas que revelavam seus Níveis e Categorias foram apagadas, assim como a contagem de mortos em seus braços. Os dois entraram em suas receptivas câmaras e desapareceram.
Ernest se aproximou do seu receptáculo enquanto EnlaiT caminhava para o seu. — Até nossos receptáculos são um do lado do outro, NI. Quem sabe não nos veremos novamente, NI — sorriu, abraçando Ernest e reverenciando Fuku. Por fim, também entrou em sua câmara.
— ET, olharei para o céu todos os dias e, em sua homenagem, gritarei seu nome, sabendo que você estará fazendo o mesmo por mim. — Ernest sorriu, dando tchau com a mão até EnlaiT desaparecer por completo.
— Boa viagem e espero que tenha gostado do torneio! — disse uma voz grave e tranquila de repente para Ernest. A lula translúcida acenou. — Nível Baixo, Categoria Sete! Como você ganhou? — a estranha criatura fitou Fuku e as sete linhas em sua testa. — Algo está errado. — Um de seus tentáculos apontou para o chinês e uma luz vermelha surgiu de sua ponta, como se o escaneasse. Por fim, apertou alguns botões no painel holográfico e se assustou com o que viu. A gosma rosa no interior de sua cabeça trepidava sem parar. — Não é possível! Como? Mas tão magrinho. Preciso corrigir isso logo — disse para si. — Desculpe-me, mas o senhor foi erroneamente categorizado. O senhor é nosso primeiro Categoria Um. Sabe o quão incrível isso é? Vou mudar aqui antes que...
— Está tudo bem. Acalme-se. Não precisa mudar. De fato, eu gostaria de permanecer na Categoria Sete. Eu meio que me acostumei com ela.
Ernest adentrou o receptáculo que o levaria direto para a Terra. — Não demore para voltar — disse a Fuku antes de desaparecer.
A passagem durou exatos treze segundos. Os olhos de Ernest estavam embaçados. Seus ouvidos ainda zumbiam e sua garganta estava seca. Após a visão retornar por completo, percebeu que estava de volta à casa do tio de Fuku, porém em uma versão destruída dela. Fuku já havia chegado e tateava alguns móveis empoeirados remanescentes.
— O que aconteceu aqui? Diga-me o que vê — o chinês pediu. Ernest, contudo, simplesmente não conseguia explicar. — O que você vê? Diga-me. Sinto cheiro de fumaça e podridão.
— Fuku, tudo... está... destruído. A casa não existe mais. Na minha frente só tem destruição. Prédios. Casas. Algo de ruim aconteceu aqui enquanto estivemos fora. — Ernest caminhou entre alguns escombros e encontrou restos de diversos jornais. A maioria queimara, não sendo possível ler. Apenas um encontrava-se parcialmente intacto. A matéria, incompleta, dizia: Países estão criando formas de visitar outros planetas, agora que vida extraterrestre foi confirmada. Pescou palavras como: "recursos", "esgotando" e "guerra".
— Diga o que está vendo.
— Dê-me um segundo; estou terminando de ler um recorte de jornal. Aqui diz que conseguimos ir para Marte. Transmissão ao vivo. Tem uma parte que não dá para ler, porém tem outra aqui que fala sobre experimentos com marcianos capturados.— Ernest encontrou uma foto semi enterrada debaixo de uma tora queimada. Nela, o tio de Fuku estava em Dengfeng ao lado de Deus e Tao.
O planeta ainda não estava em total caos, e aos poucos se recuperava. Fuku visitou mais algumas vezes seu amigo, até o mesmo ter seu descanso eterno. No início, foi duro vê-lo naquela situação. Desejava tirá-lo do planeta, mas não podia. Por vezes, procurou um planeta similar à Terra, mas não encontrou.
Foi em uma dessas ocasiões que Ernest entregou, já bem velho e debilitado, seu ipod como forma de agradecimento pela amizade de tantos anos.
— Aqui, um presente. Para nunca esquecer de mim.
Fuku pegou o objeto e inseriu os fones nos ouvidos. — Jamais esquecerei — sorriu, já apresentando traços mais velhos em seu rosto. Trajava um sobretudo azul-escuro com capuz cobrindo sua cabeça. Por debaixo do sobretudo, um tecido leve, bege, bem similar ao antigo uniforme de treinamento que utilizava em Dengfeng. — Como você encontrou? — perguntou, mostrando o ipod.
— Logo após o término do torneio. EnlaiT estava saindo da arena e o encontrou.
— Pensei que havia perdido quando fui chutado por Zaphatar.
Uma onda de tosse acometeu Ernest, obrigando-o a recostar-se na cama e dispensar o assunto. — Como está sua procura? — seu tom ficou mais sério.
— Ainda não a encontrei. Sei que ela... já se foi. Mas preciso encontrá-la. Prometi que a encontraria.
— E vai. Confio em você — sorriu Ernest, tossindo mais uma vez. — Passe-me aquele lenço laranja, fazendo favor. A poeira deste planeta está literalmente me matando.
— Novamente, desculpe-me por não poder fazer nada.
—Sei que você tentou, Fuku. Não se culpe por isso. Muito em breve verei nossos amigos — sorriu. — Mas chega de conversar. Venha aqui. Estou sentimental e preciso de um forte abraço.
O tempo na Terra passou. A humanidade já não era mais a mesma. Pequenos grupos ainda teimavam em sobreviver e, mesmo existindo alguns poucos que rezassem pela proteção de Deus e por dias melhores, em sua maioria, já pronunciavam outro nome. Fuku não se importava com isso. Seu desejo era fazer o possível para ajudá-los e buscar ao máximo ser aquele em que pudessem confiar e depositar suas crenças. Por fim, milhares de anos se foram e tudo na Terra se acalmou.
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PROTETOR DA GALÁXIA
FantasíaDeus nos protegeu por muito tempo. Porém, após ser derrotado pelo temível Zaphatar, um novo torneio foi aberto nos confins da galáxia. Agora cabe a Fuku, um pacato chinês, e seus amigos deixarem suas vidas na Terra para uma jornada repleta de desafi...