[2] RAFAEL

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Saí da água, passando a mão no rosto algumas vezes para tirar o excesso de sal. Caminhei até um dos chuveirinhos perto da calçada e enxaguei o corpo sem muita dedicação, mais para tirar o gosto salgado da boca. Fui até o quiosque de sempre, comprar uma água de coco bem gelada. Era o único quiosque naquela área que sempre vendia um coco geladinho. Porque ninguém merecia beber água de coco quente.

- Fala, Rafa!! - O vendedor já me conhecia e preparou meu coco antes mesmo de eu precisar falar. Eu praticava aquela rotina há pelo menos uns dois anos, desde que minha mãe sugeriu que eu saísse um pouco de casa para fazer algo que não fosse estudar ou escutar música. Ou principalmente, me enfurnar na casa de outra pessoa, nesse caso, Rui, Pedrão ou Pati. De qualquer forma, o objetivo dela com aquela sugestão era que eu saísse para a rua, pegasse ar fresco, um pouco de sol. Resolvi fazer aulas na praia e acabei adorando.

Chegando da praia, fui direto para os fundos do prédio, tomar uma chuveirada antes de entrar no elevador para não sujar tudo de areia. Principalmente, para não entrar em casa naquele estado também, senão minha mãe ia me matar. Todo sábado era a mesma coisa. Eu acordava cedo para ir jogar vôlei na praia e no final dava uns mergulhos, quando voltava perto da hora do almoço, minha mãe me esperava na porta com uma toalha na mão, para que eu não molhasse o chão todo. Eu entrava, dizia que ela era a melhor mãe do mundo e dava um beijo em sua bochecha antes de seguir para o banheiro. Ela sempre ficava com um sorriso bobo, como se fosse a primeira vez que eu fazia aquilo. Nossa vida sempre se resumiu a ela e eu, eu e ela. Meu pai nos abandonou quando eu tinha três anos, e agora, praticamente dezoito anos depois, eu já nem lembrava direito da cara dele. E nem fazia questão. Que tipo de babaca faz isso com um filho? Ele tinha tentado entrar em contato só quatro vezes ao longo da minha vida, mas eu não tinha a mínima vontade de falar com ele. Quatro vezes!! Sério. Se ele não se preocupou com minha mãe ou comigo quando eu era pequeno, o que ele queria agora? Quer dizer, eu entendo que casais tem problemas, que brigam, se desentendem e se separam. Mas um filho? Como você vira as costas para um filho? Minha mãe tentava amenizar, dizendo que ele tinha tido os motivos dele, mas pouco me importava. Por mim, ele podia morrer. Exceto que eu não tinha coragem de desejar a morte de ninguém. Já minha mãe era tudo para mim. Ela fez o trabalho todo sozinha e devo dizer, que o fez muito bem. Modéstia à parte. Eu fui um bom aluno, sempre fui educado, aprendi a falar inglês, entrei para uma federal - embora não de primeira - e não fazia besteiras. Tirando algumas vezes que havia ido à shows de rock, chegando em casa tarde e vendo que minha mãe sempre me esperava acordada, eu nunca havia dado trabalho. Não sei porque ela me esperava acordada aliás, devia ser coisa de mãe. Porque eu não bebia, não saía sem dizer para onde ia e estava sempre com os mesmos amigos desde pequeno. Ela, inclusive, conhecia todos eles muito bem.

O Rui, era totalmente bobão. A gente se conheceu na escola, na quinta série e desde então não nos separamos mais. Ele era estudioso, mas não era quieto. Sempre que abria a boca falava alguma palhaçada, fazendo todos rirem. Ele bebia pouco e curtia o mesmo som que eu. O Pedrão era mais quieto, não tanto quanto eu, mas bem mais quieto que o Rui. Havíamos conhecido ele na oitava série, quando o encontramos no boliche. Ele era da turma do lado, mas a gente quase não se falava, até sermos colocados lado a lado na pista e os grupos se juntarem para jogar. E com o Pedrão, veio a Pati, prima dele. A Pati era minha melhor amiga, tínhamos tanto em comum, que acabamos fazendo a mesma faculdade. Com isso a gente acabou ficando ainda mais próximo. E minha mãe adorava os três.

Vesti uma bermuda larga e uma camiseta velha após o banho para ir almoçar com minha mãe. Ajudei a colocar a mesa e quando ela terminou de fazer a comida, sentamos para comer.

- Você vai ficar em casa hoje à noite? - Ela me perguntou, enquanto bebia um gole d'água.

- Vou, por quê?

Depois que respondi, imaginei que ela diria que o Sérgio viria com o Gui mais tarde. Minha mãe havia tido alguns relacionamentos. Um chegou a durar quase quatro anos. Mas no final, ela não ficava realmente com ninguém. Eu sofria por ela, tão bonita e sozinha. Sérgio era seu amigo no trabalho há anos. Eu ainda me lembrava vagamente da mulher dele, que havia morrido. Em um acidente, eu acho. Não tinha mais tanta certeza. Lembro, porém, que minha mãe havia ficado muito triste, porque elas eram colegas. Mas ela era amiga mesmo do marido e com os anos, eles acabaram se aproximando. Talvez pela perda, talvez por ambos terem um buraco a ser preenchido. Eles estavam tentando um relacionamento, e até onde eu sabia, estava indo tudo bem. Eles vinham na nossa casa com certa frequência e eu preciso dizer que adorava a presença do Gui. Ele era uma figurinha. Porém quando a Isadora resolvia aparecer, eu dava um jeito de sair de casa. Ela me desconcertava e até hoje eu não tinha entendido porque me olhava com tanta raiva. Eu nunca tinha feito nada para ela, mal a conhecia. Tinha a impressão que ela não aprovava o relacionamento os nossos pais e isso a tornava uma idiota, na minha opinião. Por isso, quando ela aparecia, eu preferia não estar por perto. A minha mãe havia notado que eu evitava ficar em casa quando ela vinha junto, e chegou a me perguntar algumas vezes o porquê. Eu havia dito que não ia com a cara dela e minha mãe me olhou com uma cara horrível. Ela deve ter achado bem estranho também, porque eu não era o tipo de pessoa que tinha raiva, ou evitava outras pessoas. Exceto meu pai, claro. Agora, sabendo que eu poderia escapar, caso a Isadora chegasse com eles de noite, ela fez questão de perguntar antes, se eu estaria em casa ou não. Caí igual um bocó.

- Porque o Sérgio vem jantar aqui. - Ela falou, dando um sorrisinho de lado, sabendo que tinha me encurralado. - Fico muito feliz que você não tenha nenhum programa marcado, porque assim você não vai fugir sem querer querendo.

- Eu não fujo. - Falei irritado. - Só evito a presença dela.

- Infantilidade. Uma menina tão educada e bonita. - Ela deu ênfase ao "bonita" e a imagem de Isadora veio à minha mente. Isso eu realmente não podia negar, ela era linda. Tinha olhos cor de mel e uma cabeleira castanha super cacheada. Estatura mediana e um corpo de parar o trânsito. Mas tão antipática que estragava. Eu só não tinha entendido porque minha mãe fazia questão que eu notasse que a garota era bonita. Fala sério, se eles ficassem realmente juntos, minha mãe e o Sérgio, quero dizer, ela seria o quê? Tipo minha irmã. Acho que não era muito sensato da parte da minha mãe insinuar que eu achasse a garota bonita, né?

- Só se for educada com você. - Levantei a sobrancelha, resolvi ignorar o "bonita" e continuei comendo, querendo que ela esquecesse aquele assunto. Havia ficado de mal humor pensando que talvez fosse ter que dividir a mesa com ela por algumas horas. - Tomara que ela não venha.

- Rafael!! - Minha mãe me lançou um olhar de raiva, me reprimindo e eu bufei.

Não conversamos mais até terminarmos de comer e após ajudá-la com os pratos, perguntar se ela queria que eu os lavasse - o que ela negou - eu fui para o meu quarto estudar. E assim passei a tarde toda, queimando os neurônios, tentando assimilar o máximo possível para a prova que eu teria naquela semana. Até minha mãe bater na porta do meu quarto, avisando que eles haviam chegado. Disse para que eu trocasse de roupa, porque aquela camiseta velha e surrada estava boa para ir para o lixo e principalmente, que eu me comportasse com educação, já que a Isadora estava junto. Revirei os olhos, afundando minha cabeça entre meus livros, querendo mais do que tudo continuar estudando até que eles fossem embora. Troquei de roupa com bastante calma, sem pressa nenhuma para me juntar a eles na sala.

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Ele e Ela [Os Dois Lados da História] [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora