[30] RAFAEL

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Não sei exatamente o que me levou a aparecer na porta do prédio dela. Eu sabia e dizia a mim mesmo que precisava ficar o mais afastado possível dela, limitando nossos encontros aos finais de semanas em que nossos pais estavam juntos, mas eu não estava conseguindo. Na verdade, eu sabia exatamente o que me levara até ali, mas agora, não fazia idéia do que dizer, porque é claro que eu não podia dizer a verdade. Enquanto ela desviava o olhar, esperando que eu dissesse alguma coisa, eu me sentia o maior idiota do mundo. Estava completamente arrependido de ter aparecido sem ao menos pensar em alguma coisa para justificar minha presença. O silêncio estava ficando cada vez mais incômodo e eu desesperado. Mas então fui salvo pelo gongo. Ou quase isso. Uma menina parou ao lado de Isadora, a segurando pelos ombros, com um sorriso enorme rasgando seu rosto. Eu teria dito que elas eram melhores amigas, se eu não conhecesse as melhores amigas dela. Teria dito que elas, pelo menos, eram muito amigas, já que eu não conhecia nenhuma outra amiga dela. Mas a verdade é que não cheguei à conclusão nenhuma porque a cara que a Isadora fez quando viu a garota abraçando-a de lado foi tão inusitada que eu quase achei cômica.

- Oi, Isa. – A morena falou, cumprimentando-a e se isso fosse possível, sorrindo ainda mais ao olhar para mim. – Você vai direto pra casa hoje? – Perguntou, sem parecer realmente interessada na resposta. – Desculpe, sou a Jéssica. – Esticou a mão para mim, se apresentando. Demorei alguns segundos para entender o que estava acontecendo, com Isadora olhando para o chão do meu lado com uma cara de poucos amigos, mas antes que ficasse constrangedor demais pra menina com a mão esticada, eu resolvi retribuir o cumprimento. Só não esperava que ela me puxasse e desse dois beijinhos no meu rosto. Me controlei para não fazer a mesma careta que Isadora tinha feito minutos antes. Seria muita falta de educação, mas eu fiquei desconcertado com a situação.

- Rafael. – Respondi, depois de algum tempo, tentando parecer o mais simpático possível, sem deixá-la notar meu embaraço.

- Vamos? – Isadora resolveu se pronunciar finalmente e estava claramente falando comigo e ignorando a presença da Jéssica. Não sei o que ela quis dizer com "vamos", mas agradeci cinquenta vezes, mentalmente, a aparição daquela garota, porque era como se nada tivesse acontecido, como se eu não tivesse feito o papel ridículo de aparecer na frente dela sem saber o que dizer. Como se eu nunca tivesse ficado calado, parado igual um babaca, tentando justificar minha aparição e encontrar um maneira de chamá-la para voltar de carona comigo. De alguma forma, ela entendeu que era isso que eu queria perguntar e sem precisarmos falar nada, ela mesma tomou a dianteira.

- Até amanhã, Isa. – Jéssica acenou, ainda sorrindo e eu dei tchau, para não deixar a garota no vácuo, coisa que a Isadora fez.

Não fazia idéia do que tinha acontecido ali, qual era a ligação delas, qual era a história, quem era aquela menina excessivamente simpática que chegava a soar falsa e continuei ignorante depois, porque Isadora simplesmente fingiu que aquilo nunca tinha acontecido. Que estranho. Entramos no meu carro, após atravessar a rua e chegar ao estacionamento. Por alguns minutos pensei onde eu estava amarrando meu bode, porque aquela garota tinha múltiplas personalidades, juro. Ela se ajeitou no banco do carona, ligou o rádio, – como se estivéssemos em um nível de amizade onde já fossem normais essas demonstrações de intimidade, não que eu me importasse – de alguma forma acho que ela esperava que fosse nossa banda preferida tocando, e era. Então, ela fechou o olhos, encostou a cabeça no banco, escutando a música enquanto eu dava a partida no carro e saía da vaga. Poucos minutos depois, quando a música acabou, ela diminuiu o volume e começou a conversar. CONVERSAR. Isso mesmo, conversar comigo, como se nada tivesse acontecido, como se a gente sempre mantivesse altas conversas, como se aquilo fosse super normal. Não que conversar não fosse normal, mas falo sobre as circunstâncias no geral. Quando chegamos na porta do prédio dela, quase quarenta minutos depois, ela tinha me contado tudo que tinha acontecido nas primeiras semanas de aula dela, como eram suas aulas, como era o apartamento de Bia na Rural - onde ela e Paulinha passaram o final de semana anterior -, as paisagens maravilhosas de Seropédica e eu nunca tinha ouvido ela falar tanto na vida. Pelo menos não comigo. Durante todo o percurso, eu só concordava e deixava ela perceber que eu estava acompanhando e prestando atenção, mas com um puta medo de abrir a boca e falar algo errado. Ela estava estranha demais. Mas eu meio que gostei bastante de escutar ela falando como se me considerasse um amigo finalmente. Só rezava para que não fosse um surto, um momento passageiro e que ela continuasse assim. Mas que eu ainda queria descobrir quem era Jéssica e o que ela tinha contra a garota, eu queria. Mas jamais perguntaria se quisesse continuar vivo. Dirigi pra casa me sentindo um idiota por ter ido atrás dela, mas contente por tê-lo feito afinal.

Ele e Ela [Os Dois Lados da História] [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora