Quando eu cheguei na sala, percebi que ela havia ficado tensa e fez um esforço tremendo para me responder "boa noite". Não que eu quisesse cumprimenta-la, mas sabia que se não o fizesse, minha mãe ia me encher o saco depois. E o tempo todo ela ficava com aquele celular na mão, mandando mensagens e não prestando atenção em nada. Eu tinha raiva de pessoas que faziam isso. Ficar pendurada no celular, como se não fizesse a mínima questão de interagir com as demais pessoas no recinto. Falta de educação tremenda, mas eu só podia esperar isso vindo dela mesmo. Resolvi ir para meu quarto com Gui, para jogarmos um pouco de videogame, já que eu sabia que ele adorava, e pelo menos ia me distrair. Não é que jogar com uma criança, que mal sabia jogar direito, fosse meu hobby preferido, mas ele era muito engraçadinho e eu adorava passar meu tempo com ele. A única coisa que me incomodava nele, eram os olhos, idênticos aos da irmã. Ninguém diria que eles dois não eram irmãos, eram parecidíssimos. Mas aquele olhar penetrante dele, me lembrava o dela. Com a diferença que ele sempre me olhava com carinho e ela com raiva.
- Para de olhar pra mim e presta atenção no jogo. – Gui falou e eu percebi que estava analisando as feições dele e o quanto ele me lembrava a Isadora. Fiquei um pouco sem graça, mas não é como se fizesse diferença para ele. – Eu vou acabar com você.
Resolvi prestar atenção mesmo e ele estava quase me passando na pista. Antes da corrida terminar, ouvi minha mãe nos chamando para jantar. Ele reclamou que eu pausei quando ele estava quase chegando na reta final, que aquilo era sabotagem e eu só fiz carinho na cabeça dele, levantando e saindo do quarto com ele me seguindo. Ele correu na minha frente e sentou na cadeira onde eu ia sentar, me restando somente a cadeira de frente para Isadora. Respirei fundo, tentando ignorar e sentei, começando a comer. Mantive uma conversa leve com minha mãe e Sérgio sobre a faculdade e a garota ficou calada praticamente a janta toda. Gui falava por ela e nós todos juntos, mas ela estava sempre com aquele ar de irritação constante. Quando a campainha tocou, percebi que ela levara um susto e ri internamente. Por alguns segundos, ela baixou a guarda e ao invés de raiva, seus olhos me olharam intrigados. Eu não fazia ideia de quem estava na porta, mas quando abri, fiquei muito contente de ver Pati. Ela salvaria a minha noite, fazendo o tempo passar mais rápido. Levei a minha amiga para a mesa e percebi pelo canto do olho que Isadora estava bastante curiosa. Todo mundo conhecia a Pati, menos ela. Certeza que pensou que ela fosse minha namorada e eu estava pouco me importando. Deixa ela pensar que eu tenho uma namorada linda igual a minha amiga. Não podia estar mais distante da verdade. Pati gostava de garotas, tanto quanto eu. Porém nós estávamos muito acostumados às pessoas confundindo ou não acreditando que não rolava mesmo nada entre nós, ou que ela estava enganada quanto a sua sexualidade e que logo descobriria que gostava de mim. Não nos importávamos que pensassem que tinhamos alguma coisa, a gente não devia satisfação à ninguém. O que dava raiva, eram as pessoas pensarem que a homossexualidade dela era passageira, que ela havia escolhido aquilo ou que de repente, com um clique, ela mudaria de opinião. Aquilo me irritava profundamente, mas ela já estava acostumada. Seus pais sempre souberam e apoiaram e saber que ela tinha o amor de quem importava, dava forças para ignorar as opiniões de quem não aceitava e não tinha nada a acrescentar em sua vida. Convencer as pessoas que não tinhamos nada, não era importante, exceto quando estávamos tentando conquistar alguém e esse alguém pensava que já estávamos comprometidos, porque a menos que ela dissesse, ninguém acreditava. Isso acontecia mais com a Pati do que comigo. Afinal, eu só havia tido dois relacionamentos. Ela, vários. Não que eu só tivesse ficado com duas garotas na minha vida. Me refiro a relacionamentos sérios. Embora eu também não tenha tido assim tantas ficadas considerando que eu não era muito de sair de casa e os lugares que eu frequentava, não eram exatamente para esses fins. Eu era bastante distante e não pretendia ficar de verdade com ninguém a menos que eu tivesse certeza absoluta dos meus sentimentos, porque a verdade é que, no fundo, eu tinha medo de ser igual ao meu pai.
Quando acabamos de comer, fui com a Pati e o Gui para o meu quarto para pegar o caderno para ela e deixei ele jogando videogame enquanto eu a acompanhava novamente até a porta para ir embora. Na sala percebi que minha mãe estava sozinha com Sérgio e quando cheguei na cozinha, entendi o porquê. Isadora estava lavando a louça. Sinal de que ela era menos inútil do que eu imaginava.
- Foi um prazer conhecer você, Isadora. – Pati era sempre muito simpática com todo mundo e eu nunca tinha falado para ninguém que achava a Isadora antipática, – além da minha mãe - então minha amiga não fazia ideia.
- Ah, - Ela se assustou com a nossa chegada, mas sorriu para Pati. Se esticou um pouco para trás, sem tirar a mão da pia para não molhar o chão e ofereceu o rosto para cumprimenta-la com um beijo. – O prazer foi meu.
- Espero que nos vejamos mais vezes. – Pati falou seguindo para a porta, que eu abri para ela. – Na próxima vez a gente conversa.
- Claro. – Ela sorriu, concordando e voltou a se concentrar nos pratos a sua frente, agora que estávamos sozinhos.
- Finalmente você largou aquele celular e resolveu fazer alguma coisa útil.
Acho que era a primeira vez que eu dirigia uma frase completa a ela e eu sabia que ela não estava esperando. E percebi que seu rosto, sempre muito branquinho, ficara completamente vermelho. Acho que de raiva. Antes que ela pudesse se recuperar e me devolver uma resposta tão malcriada quanto a minha observação, eu saí da cozinha, voltando para o meu quarto. Aquele não era meu jeito, não era meu estilo. Mas o jeito dela me olhar e parecer sempre irritada só com minha presença, me fazia sentir o mesmo e querer implicar com ela. Se ela fazia questão de agir daquela maneira intragável perto de mim, eu daria motivos reais para isso. Voltei para o quarto e fiquei jogando com Gui até ela aparecer na porta do meu quarto, chamando o irmão para irem embora.
- Vamos, Gui. – Ela falou impaciente, olhando para o irmão.
- Ah, Isa, deixa eu brincar um pouco mais. – Ele olhou para ela suplicando.
- Não, meu amor. O papai já está na porta esperando a gente. – Ela sorriu para ele, de uma maneira que eu nunca havia visto. Seu rosto se iluminava e ela parecia ainda mais bonita. – Prometo que amanhã, ao invés de estudar de manhã, eu brinco com você.
- Ok. – Ele sorriu também, contente com a oferta dela e levantou, apertando minha mão, novamente fazendo aquele cumprimento elaborado que havíamos inventado algumas semanas antes e andou até ela, abraçando suas pernas. Ela continuou olhando para ele com aquele ar de apaixonada, deu um beijo no topo de sua cabeça e saiu do quarto sem sequer olhar na minha cara. Era como se eu fosse invisível. Levantei seguindo atrás dela para me despedir de Sérgio e depois que todos haviam ido embora eu sentei no sofá com a minha mãe. Ela deitou no meu colo e eu fiquei fazendo cafuné no cabelo dela. Aquilo era algo que fazíamos com frequência. Ela sempre me parecia tão vulnerável. Eu senti a minha vida toda que era obrigação minha protegê-la. Mas sempre que Sérgio vinha na nossa casa, ela ficava com aquele sorriso bobo e isso me deixava feliz.
- Não foi tão ruim assim. – Ela comentou e eu sabia que ela se referia à Isadora.
- Pra vocês, não. – Falei dando de ombros e ela me olhou impaciente.
- Não consigo entender, de verdade. Ela é extremamente educada, me ajudou a colocar a mesa, lavou a louça e em momento nenhum falou com você.
- Exatamente. Ela me trata como se eu não existisse. – Concordei, exclamando que esse era um dos motivos. – Se você reparar, ela sequer olha para minha cara e não fala comigo em hipótese nenhuma. Além do mais, fica o tempo todo pendurada naquele telefone. Que falta de educação.
- Ah, claro. – Minha mãe levantou, sentando-se ao meu lado e me olhando com um sorriso irônico. – Você quase não usa seu celular, né?
- É diferente. – Desconversei. – Não quando temos visita, ou quando sou visita na casa de alguém.
- Ela ainda é adolescente, Rafa. – Ela sorriu. – Dá uma colher de chá.
- Quase dezoito, mais maturidade seria bom. – Falei, mas pensei no que eu havia dito para ela na cozinha. A verdade é que maturidade faltou foi em mim naquele momento e mesmo que eu não tenha dado oportunidade de ela reagir e responder, ela não falou nada depois também. Claro que não contei isso para minha mãe.
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Ele e Ela [Os Dois Lados da História] [COMPLETO]
Teen FictionISADORA "Dentre tantas mulheres no mundo, meu pai tinha que escolher ficar justo com a mãe do garoto mais insuportável da face da Terra. Como uma mulher tão legal quanto a Cíntia, havia gerado um ser assim irritante? O Rafael me tirava do sério, me...