[29] ISADORA

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Cíntia me ligou no dia anterior ao meu primeiro dia de aula e insistiu que eu aceitasse carona do Rafael para ir à faculdade no dia seguinte. Tentei argumentar, mas ela disse que estávamos nos dando bem, era o primeiro dia, não custava nada e disse que eu não tinha motivos para recusar. Honestamente, não sei se ele reclamou, mas quando entrei no carro, ao som de 30 Seconds to Mars, ele parecia normal. Eu podia me acostumar com aquilo, carona, ar condicionado, música de primeira qualidade, companhia... Acho que era melhor pegar o ônibus, eu iria sobreviver. Eu estava tão nervosa com esse novo capítulo desconhecido na minha vida, receosa com o trote e com as pessoas que encontraria, que nem tive espaço para ficar nervosa por ficar sozinha com ele pela primeira vez. Quer dizer, tirando as poucas vezes que ficamos sozinhos na viagem. Só que estar no carro com ele parecia, de alguma forma, diferente. Como se agora ele fizesse oficialmente parte da minha rotina e aquilo era muito pros meus neurônios. Mal conversamos e eu não via a hora de descer do carro e sumir de perto dele. Quando entrei no carro eu estava nervosa com a faculdade, mas à medida que a gente se movia lentamente pelo trânsito e não conversava, eu ficava mais tensa e incomodada. A verdade é que a gente estava se dando bem no sentido de não brigar, não implicar e conversávamos numa boa quando haviam nossos pais, ou Gui, ou Pati por perto. Mas de alguma forma, pelo menos naquele dia, estava muito estranho. Por isso eu suspirei aliviada quando ele estacionou o carro no CT.

- Eu saio onze e cinquenta hoje. – Ele falou, encostado no carro antes de nos afastarmos. Parecia tão deslocado quanto eu. – Se quiser carona pra voltar.

- Não sei que horas eu saio. Nem sei se estarei aqui, o que vão fazer comigo no trote e tal. – Respondi, agradecendo aos céus por não precisar voltar com ele. Eu não estava conseguindo lidar com meus pensamentos confusos.

- Relaxa. – Ele me deu um soquinho de leve no braço. – Não vão fazer nada demais.

- Tomara. – Sorri nervosa. – Um pouco de tinta e pedir dinheiro no sinal, não é nada, mas eu já escutei cada coisa.

- Provavelmente eram verdade. – Ele riu da minha cara, mas eu tinha a impressão que ele não estava de brincadeira. – Então, boa sorte e boa aula, embora você provavelmente não vá ter nenhuma. – Agradeci, acenei e corri para atravessar o estacionamento e a rua o mais rápido possível sem parecer desesperada e sem olhar pra trás.

Realmente, ele não estava mentindo. Tivemos que fazer coisas absurdas, passar vergonha, responder perguntas indiscretas e pedir dinheiro na rua, que era a parte que eu achava legal. Dava um certo orgulho ficar ali nas ruas, pintado mostrando o sucesso de ter passado para uma federal. Não que eu visse problema ou desmerecesse quem fazia faculdade particular, longe de mim. Mas eu sempre quis ir para uma faculdade pública, então me sentia realizada. Entrar até havia sido fácil, queria ver eu conseguir sair. Conheci muitas pessoas novas e legais, embora ainda me sentisse um peixe fora d'água, sem conhecer ninguém de verdade e com vergonha de interagir. Me senti uma idiota por pegar raiva de uma menina que chegou me perguntando quem era o gatinho que havia chegado comigo na faculdade. Aparentemente ela nos vira no estacionamento. Me senti estúpida porque reconheci que havia pego raiva dela por ter ficado com ciúmes do Rafael e aquilo era ridículo. Tentei ignorar e dar a ela uma segunda chance no dia seguinte, mas ela era muito chata. Ou talvez eu ainda estivesse com o pé atrás. Cogitei não aparecer mais na faculdade até os trotes acabarem porque achava aquilo meio humilhante, mas eu tinha conhecido umas pessoas legais que me convenceram a não desistir, porque era nessa semana que se faziam os contatos e amizades. Lúcia era uma menina baixinha e meio espivitada, que parecia ter mais energia que todos os outros alunos juntos. Rodrigo era alto, tinha o cabelo meio arrepiado e sua camiseta de Jogos Vorazes foi o que me chamou a atenção e consequentemente o que nos levou a conversar. Com Rodrigo, veio Jiló, juro que ele se apresentou assim, não sabia ainda seu nome, mas ele e Rodrigo eram amigos antes de entrar pra faculdade, então enquanto conversava com o amigo, pela primeira vez, e a Lúcia, Jiló apareceu reclamando que a comida do refeitório parecia horrível.

Ele e Ela [Os Dois Lados da História] [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora