Eu realmente não estava acreditando naquilo. Só conseguia pensar que eu devia ter feito algo muito ruim no passado e agora estava pagando meus pecados. Todos de uma só vez. Eu sabia que não devia ter escondido do meu pai, há três anos, que ia naquela festa com a Paulinha e a Bia. Agora, eu tinha certeza que estava sendo castigada por isso. Não que meu pai soubesse, ou que estivesse me punindo de propósito mesmo. Era alguma coisa maior. Tipo um karma. Só isso para justificar aquele garoto insuportável entrando na minha vida. E entrando daquela maneira tão... tão intensa. Não consigo encontrar palavras para descrever exatamente. Eu ainda me lembrava com perfeição daquela festa, quando eu tinha dez anos e ele tinha estragado tudo. Toda minha vida baseada em umas palavras maldosas que seus amigos tinham dito para mim. Quer dizer, a mãe dele era muito amiga do meu pai no escritório. Mas a gente não se conhecia direito, porque a amizade deles ficava entre eles, adultos, e não misturava a gente realmente. Porém, eu pensei que por termos essa "conexão", ele fosse pelo menos me defender. Ele era mais velho, três anos mais velho e eu achei que ele tivesse maturidade suficiente para perceber que os amigos estavam sendo muito ruins comigo, caçoando do meu cabelo, do meu nome e do meu peso. Mas ao invés de dizer para eles pararem, ele riu. E eu fiquei com ódio daquele garoto. Eu tinha mais raiva dele do que dos meninos. Principalmente porque eu achava ele uma gracinha e ele tinha me decepcionado. Eu chorei tanto naquele dia, que meu pai e minha mãe acharam que eu havia quebrado o braço ou batido com a cabeça. Eu nunca expliquei o que havia acontecido, mas eles foram solidários o suficiente para decidirem ir embora da festa e me levar para casa. Depois daquele dia, eu o vi pouquíssimas vezes ao longo dos anos.
Três anos depois daquela festa, minha mãe morreu em um acidente de carro, logo após meu irmão, Guilherme, completar um ano. Eu fiquei arrasada, chorei durante meses tendo pesadelos quase todas as noites, mas nada se comparou ao que meu pai sentiu. Na época eu era muito nova para entender perfeitamente, mas agora, com quase dezoito, eu tinha uma grande noção de tudo pelo que ele havia passado. Afinal, além de perder a esposa e lidar com sua própria dor, ele precisava cuidar e amenizar a dor de uma filha adolescente e tomar conta de um bebê que, pelo menos não entendia ainda que havia perdido a mãe, mas que com os anos passaria a perguntar por ela. E eu sabia que cada vez que ele fazia isso, o coração do papai encolhia um pouquinho. Sorte a dele que minhas avós se revezaram ajudando a cuidar de nós dois ao longo dos anos. Mas ele não tinha mais aquela alegria de antes, o brilho nos olhos, embora disfarçasse sempre que estivesse com a gente.
Meu pai parou de frequentar as festas da empresa durante muitos anos e por isso, achei que o Rafael só continuaria na minha memória como um borrão, que me dava raiva só de pensar. Isso até meu pai começar a se relacionar com a mãe dele. Do Rafael, quero dizer. Cíntia. Desde pequena, eu nunca havia visto Cíntia com ninguém. Até onde eu sabia, ela havia criado Rafael sozinha. Nunca me interessei em perguntar nada, afinal, não era da minha conta. A amizade deles dois, eu sabia, havia ajudado bastante ao meu pai superar a dor ao longo dos anos. Por isso, eu só tinha a agradecê-la. Eu vivia perguntando se eles estavam namorando, sugerindo que ficaria feliz se meu pai seguisse em frente. Lógico que eu falava isso nos últimos anos, quando já entendia que meu pai não podia se isolar e viver para sempre sozinho. Quando minha mãe morreu, eu não poderia imaginar ninguém no lugar dela. Mas com o tempo você entende essas coisas. Ninguém jamais substituiria a mamãe. Meu pai sempre negava qualquer coisa entre eles, mas eu nunca acreditei cem por cento. Mas por saber que eu o apoiaria se fosse o caso, eu fui a primeira pessoa para quem ele contou, quando de fato resolveu assumir que alguma coisa estava rolando. Eu fiquei feliz de verdade. Cíntia sempre fora doce e simpática, pelo menos nas poucas vezes que nos vimos, já que eu fazia questão de sempre ter algo mais interessante para fazer quando ela convidava a gente para ir na casa dela, simplesmente porque não fazia questão de dar de cara com o idiota do filho dela. Sei que muito tempo havia passado e que a cabeça de um criança de dez anos faz tudo parecer pior, só que a impressão e antipatia tinham ficado. E sabe quando a memória de um acontecimento, repetidas vezes na nossa mente, faz tudo parecer muito maior e mais dramático do que realmente foi? Então.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ele e Ela [Os Dois Lados da História] [COMPLETO]
Roman pour AdolescentsISADORA "Dentre tantas mulheres no mundo, meu pai tinha que escolher ficar justo com a mãe do garoto mais insuportável da face da Terra. Como uma mulher tão legal quanto a Cíntia, havia gerado um ser assim irritante? O Rafael me tirava do sério, me...