[35] ISADORA

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De alguma forma, aquela conversa mudou completamente de rumo. Eu sabia que ele era louco pela mãe dele e que faria qualquer coisa pra vê-la feliz. Mas por mais que quebrássemos a cabeça tentando descobrir o que havia de errado com o relacionamento deles ultimamente, não era problema nosso, então a gente não tinha como resolver. Eu nunca havia ouvido falar do pai dele, não sabia o que tinha acontecido. Era a primeira vez que ouvia sobre.

- Como assim? – Perguntei, tentando entender o que ele queria dizer com "impedir que ele fosse embora".

- Eu tinha três anos quando ele foi embora. Simplesmente saiu por aquela porta, - apontou pra porta da cozinha. – e nunca mais voltou.

- Sinto muito. – Falei, olhando pro meu prato, coisa que ele também estava fazendo. Olhando pro dele, quero dizer. – Achei que ele tivesse morrido também, como minha mãe.

- Antes fosse...

- RAFAEL!!! – Briguei com ele, porque aquilo era uma coisa muito horrível de se dizer. – Você não faz idéia do quanto é horrível. Jamais repita isso.

- Não me leve a mal. Eu imagino que sua perda tenha sido muito dolorosa. Mas pelo menos você sabe que sua mãe foi embora te amando. – Me olhou e eu não soube o que dizer. Fazia sentido, não conseguia imaginar aquela dor. Coloquei minha mão sobre a sua na mesa, tentando passar conforto. – Você fica se perguntando o que fez de errado. Se poderia ter feito qualquer coisa diferente pra evitar.

- Rafa, claro que a culpa não foi sua. Você era muito novinho. Sua mãe nunca te explicou o que houve? Será que ela sabe?

- Nunca explicou, mas acho que sabe. – Ele virou a palma da mão pra cima e entrelaçou nossos dedos. – Eu só queria que ela fosse feliz. – Continuou falando, enquanto seu olhar estava fixo nas nossas mãos juntas. Seu polegar fazia um carinho no meu dedo indicador, mas ele parecia distante. – E ela não parece feliz agora.

- Você não pode se culpar por tudo ou tomar pra si a responsabilidade da felicidade dela, Rafa. Isso cabe a cada um de nós e só. Se não for pra ser com meu pai, será com outra pessoa.

- É fácil falar, mas na prática...

- Não, não é fácil não. – Reclamei. – Não tá nada fácil achar as palavras certas aqui, pra não te fazer sofrer mais. – Ele sorriu fracamente e me olhou. Ficamos nos encarando por alguns minutos, até que soltamos nossas mãos como se tivéssemos levado um choque elétrico, ao ouvir a chave na porta.

Eles haviam voltado e tudo parecia na mesma. Meu pai me chamou para irmos embora e eu queria muito poder abraçar o Rafa e dizer que tudo ficaria bem. Mas eu não podia. Para nossos pais, nós nos dávamos bem, mas uma demostração de afeto assim, seria demais e eles acabariam desconfiando que havia alguma coisa. Não havia nada, exceto sentimentos muito confusos que ao invés de irem embora, se alojavam cada vez mais fundo. O problema é que isso estava acontecendo com ambos. É mais ou menos como aquele ditado "quando um não quer, dois não brigam", mas e se os dois quiserem?

Fui ao quarto dele buscar minha bolsa e deixei um bilhete debaixo do travesseiro, antes de voltar pra cozinha, onde os três conversavam amenidades, sobre o estágio dele e a faculdade. Nos despedimos e mesmo que eu tenha tentado puxar assunto com meu pai no caminho até o carro e depois, até em casa, ele não comentou nada de anormal, dizendo que era impressão a minha e que estava tudo bem. Mas eu conhecia meu pai. Sabia que não estava.

A casa estava silenciosa demais sem o Gui e eu não conseguia dormir, fiquei rolando na cama durante horas, antes de finalmente pegar no sono e sentia que havia dormido só cinco minutos quando acordei com uma mensagem chegando no meu celular. Na verdade, eu havia dormido mais de cinco horas e já eram seis da manhã quando peguei o aparelho pra ver o que eu havia recebido. Praguejei por ter esquecido de colocar o celular no silencioso, logo em um domingo, que eu poderia dormir até mais tarde. Mas parei de reclamar quando vi o que era. Ou melhor, de quem era. E sorri.

Ele e Ela [Os Dois Lados da História] [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora