[22] RAFAEL

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Não sabia o que tinha dado em mim para beijá-la. Eu não tinha feito aquilo para calar a sua boca como ela constatou, mas era uma resposta muito mais plausível, embora clichê, do que o real motivo que insistia em passar pela minha cabeça. A verdade é que eu tinha ficado com vontade. Com muita vontade de fazer aquilo. Embora eu sempre refreasse esses tipos de pensamentos, eu sabia que ela me atraía bastante e um dos motivos que me levavam a irritá-la com frequência, além de ser porque ela fazia o mesmo comigo, era porque eu adorava ver suas bochechas ficarem vermelhas de raiva. Quando tudo isso começou, da minha mãe saindo com o Sérgio, eu evitava a sua presença porque ela me deixava desconcertado pelos olhares frios e indiferentes, coisa que nunca entendi. Mas aos poucos, conforme fomos convivendo e implicando um com o outro, a frieza deu lugar à um calor, que eu definia como raiva, mas que irradiava dela como um ímã, me atraindo. Porém, eu jamais admitiria aquilo e ia deixar que ela pensasse que eu queria mesmo só que ela parasse de encher o saco e calasse a boca. Mas fiquei horas tentando dormir depois disso, e acordei com todos na sala/cozinha, menos ela, tomando café da manhã e não consegui mais dormir. Minha mãe estava esquisita e o Sérgio também não estava cem por cento. E então quando ela apareceu na sala, já pronta depois que Gui foi chamá-la e minha mãe começou a falar sobre saber o que tínhamos feito, eu gelei, pensando que ela se referia ao beijo. Na moral, minha mãe era louca de falar aquilo na frente do Sérgio? Ele ia me matar se soubesse que eu estava beijando sua filha, debaixo do seu nariz. Mas depois que eles começaram a falar sobre a briga e nada mais, respirei aliviado, mas sabia que a Isadora tinha pensado a mesma coisa, porque ela imediatamente olhou para mim, ficando tão vermelha quanto seu casaco e se eles dois fossem mais espertos, pela reação dela teriam sacado na hora que alguma coisa tinha acontecido. Sorte que eles não eram tão ligados assim e que ela virou na hora também. E então eles começaram a lamentar nossas brigas, nosso relacionamento conturbado e eu fui me sentindo muito culpado por estar atrapalhado o relacionamento deles e as férias deles também.

- Enfim, - Sérgio continuou e eu não queria mais escutar sermão. Sabia que estávamos errados e pronto. – nós tínhamos uma surpresa para vocês dois e estávamos certos de que iam adorar. – Olhamos como duas crianças sofrendo, ao perder o privilégio de poder jogar videogame. Que surpresa? – Agora não temos mais muito prazer em dar isso a vocês, porque com esse tipo de relacionamento, é complicado imaginar vocês curtindo alguma coisa juntos. – Sérgio entregou um envelope para mim e outro para Isadora, e enquanto eu abria, minha mãe continuou falando.

- Só podemos torcer para que essa última chance de aproximar vocês dê certo, porque conseguimos achar algo que vocês tem em comum. Embora a alegria de entregar esse presente tenha se esvaído completamente. – Olhei para a cara da Isadora que tinha pego um papel dentro do envelope e seu rosto se iluminou completamente, com um sorriso e lágrimas surgindo nos olhos. Fiquei curioso e puxei o conteúdo do meu envelope também, enquanto ela cruzava a sala e se jogava nos braços do pai, feliz e emocionada.

Com Gui pulando ao meu lado tentando enxergar o que tinha na minha mão, curioso, olhei para o conteúdo e vi que era um ingresso. Para um show da minha banda preferida. Em menos de dez horas. Quase não podia acreditar e por mais feliz que eu estivesse, não conseguia deixar de me sentir péssimo por eles dois, que haviam pensado tanto em nós e agora estavam decepcionados. Levantei do sofá e abracei minha mãe, agradecendo.

- Faz um esforço, por mim. – Ela sussurrou em meu ouvido e eu dei um beijo em sua bochecha, antes de terminarmos de nos arrumar para sair no frio.

Não aguentava mais ver lojas. Claro que o fato de faltarem poucas horas para o show me fazia querer estar ali ainda menos e eu só desejava que o tempo passasse logo. Mas também já estava de saco cheio de entrar e sair das lojas, porque elas estavam muito quentes e muito cheias. Eu gostava de inverno, nunca fui o tipo de pessoa que tinha estação preferida ou odiava alguma. Não curtia muito frio, nem muito calor, então poderia dizer que gostava do outono e da primavera. Mas o problema do inverno era esse, você se embalava todo em roupa para o frio não entrar sem querer por nenhum buraquinho. Só que os locais tinham aquecimento forte, e então quando você entrava, instantaneamente morria de calor. Então desenrolava a primeira volta do cachecol, querendo na verdade tirar tudo, mas não podendo. E quando voltava para a rua, mesmo suando, levava aquele tapa de vento no rosto, pescoço e corria para enrolar o cachecol de novo. Somado a isso, aquela rua era muito famosa por suas lojas e sua extensão. Assim, era comum entrar em várias delas no caminho. Por isso, pega o que eu expliquei e repete cinquenta vezes sem parar, frio, calor, frio, calor. Eu não via a hora de voltar para o apartamento, para tomar um banho e ir logo para o local do show. Depois do que pareceram horas, finalmente retornamos. Não troquei palavras com a Isadora o dia todo, nem boas, nem ruins, mas eu podia ver que ela estava tão empolgada quanto eu. Embora ela não tenha reclamado de fazer compras, pelo contrário.

Ele e Ela [Os Dois Lados da História] [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora