[7] ISADORA

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Eu estava na cozinha, esperando a pipoca ficar pronta para que a gente assistisse mais um filme. Como o papai tinha saído e no dia seguinte seria feriado, eu tinha combinado com o Gui de deixar que ele fosse dormir mais tarde para que a gente visse filmes juntos. Já havíamos assistido dois e estávamos indo para o terceiro, embora eu tivesse certeza que ele não veria nem a introdução, porque já estava com sono. Ele não estava acostumado a ficar acordado até tarde. Quando o micro-ondas apitou e eu estava abrindo a porta para pegar o saco de pipocas, ouvi o Gui gritar e começar a chorar. Larguei tudo que eu estava fazendo e corri para a sala. E quase desmaiei com a cena. Ele tinha tropeçado no tapete, acertado a cabeça na quina da mesinha de centro e estava cheio de sangue no rosto. Corri para ele, tentando não chorar mais do que ele, porque senão ele ficaria desesperado, mas eu tinha pavor de sangue, ainda mais naquela quantidade toda. Corri na cozinha e peguei um pano limpo e voltei, pressionando o local, com ele sentado no meu colo, ainda chorando. Me estiquei no chão, tentando pegar meu celular que estava no sofá e disquei o número da emergência. Quando me disseram que estavam sem ambulância, entrei em um desespero maior ainda. Não queria ligar para o meu pai e deixá-lo preocupado, ou estragar o encontro dele. Eu sabia que eles estavam muito longe e não iam poder ajudar em nada. Mas se alguma coisa acontecesse com meu irmão e ele não ficasse sabendo, me mataria. Ele tentou me acalmar, dizendo para ligar para um táxi e ir para o hospital. E que ele tentaria voltar logo. Eu disse que ele não precisava voltar, que eu não queria estragar o dia dele, que eu resolveria tudo sozinha e desliguei, ligando para o táxi em seguida. Mas também não tinha nenhum, e a espera era ainda maior que a da ambulância. Avisei ao papai que tentaria ligar para o pai da Paulinha, porque não tinha táxi e ele me disse que a Cíntia tinha ligado para o Rafael e ele estava vindo. Naquela hora, pouco me importava quem estava vindo, eu só queria levar meu irmão pro hospital e garantir que ele ficaria bem. Foram minutos torturantes. Eu queria poder tirar a dor do Gui e passar ela para mim. Eu chorava junto com ele, pedindo para o Rafael chegar o mais rápido possível.

- Não chora, Isa. – Ele fungou, tentando me acalmar. – Eu tô bem.

- Eu sei, meu amor, eu sei. – Apertei ele contra meu peito, tentando parar de chorar. Alguns minutos depois, ouvi o interfone e praguejei. Levantei, tentando manter o Gui ereto, encostado no sofá e corri para atender.

- Senhorita Isadora, tem um rapaz aqui, o nome dele é Rafael....

Gritei com o porteiro mandando deixa-lo subir e para ir depressa. Abri a porta do apartamento para que ele pudesse entrar e voltei a sentar no chão, abraçando meu irmão. Percebi que o Gui estava quase dormindo, mas não ia deixar que ele dormisse de jeito nenhum. O Rafael entrou, perguntou como ele estava, conferiu o machucado e pegou ele no colo para que eu pudesse levantar. Depois que eu já tinha me apoiado no sofá, percebi que ele tinha esticado a mão para me ajudar. Mas eu já estava em pé, então deixei pra lá. Peguei meu telefone e coloquei no bolso do short, peguei minha bolsa que estava perto da porta e o segui até o carro. Sentei no banco de trás, ele colocou o Gui nos meus braços e fomos para o hospital. Trocamos mais palavras no carro do que jamais havíamos feito na vida. Não sei de onde ele tirou a ideia que eu deveria ter ligado para ele no momento do desespero. Sinceramente, eu teria pensado em pedir ajuda até para o Voldemort, mas não para ele. Além do mais, era óbvio que eu não tinha o número dele, né? Para que eu ia querer aquilo? Eu estava tendo dificuldade em manter o Gui acordado e pensar em todo aquele sangue e na fragilidade dele me fazia continuar chorando. A gente tinha que chegar no hospital logo. Ele me disse que estávamos quase chegando e de fato, não demorou muito.

Foi complicado ver meu irmãozinho levando aqueles pontos, sofrendo, mas preciso confessar que aquela falação toda do Rafael ajudou realmente a distraí-lo. Eu não prestei muita atenção, estava mais preocupada com o Gui e rezando para que a dor dele passasse para mim. Quando saímos, ele me lembrou de ligar para o meu pai e foi exatamente isso que eu fiz.

- Pai... – Fiquei feliz de ouvir a voz dele, era um conforto. – Fica tranquilo, que está tudo bem com o Gui.

- Estamos voltando, não se preocupe. – Ele falou e pelo eco, eu sabia que estava no viva-voz. Certeza que ele estava dirigindo.

- Não, pai. – Entramos no carro novamente. – Não precisa voltar. Não estraga seu encontro. – Supliquei. – O Gui está ótimo. – Olhei para trás e ele estava deitando no banco traseiro, já quase dormindo. Agora eu estava na frente. – Foi só um susto. Quer falar com ele antes que ele durma? – Meu pai concordou e eu estiquei o braço para trás, segurando o telefone na orelha de Gui.

- Oi, pai. – A voz dele estava tão abatida, tadinho. Muitas emoções e muito sono. – Eu tô ótimo!! Levei alguns pontos e agora meu cérebro não tem mais por onde escapar. – Eu ri e percebi que Rafael estava rindo também. – Eu só estou com muito sono. Vou dormir agora, tá? – Sentei direito e voltei a falar com o meu pai.

- Isa, não faz muito sentido a gente ficar por aqui, já deixamos o hotel e estamos na estrada. Mesmo que não tenha sido nada, eu preciso ver com meus próprios olhos que vocês estão bem. Não tem como ficar tranquilo.

- Você já não quis usar o final de semana todo para viajar para não me deixar sozinha com o Gui e agora isso? Desculpa, pai.

- Minha querida, a culpa não é sua. – Ouvi a Cíntia completar. – Fica tranquila. Mas nós ainda vamos demorar um pouco, então pede para o Rafa ficar com você até a gente chegar. – Lógico que eu não ia pedir. Só se eu estivesse louca. Mas eu concordei para não precisar ouvir sermão. Eles se despediram de mim e eu desliguei. Alguns segundos depois, o Rafael recebeu uma mensagem, mas ele estava dirigindo e não olhou.

Quando chegamos no meu prédio, ele estacionou e me ajudou, carregando o Gui, que já estava dormindo há muito tempo. Subimos pelo elevador, em silêncio. Agora que o desespero tinha passado, que meu irmão estava fora de perigo, que eu estava de volta à minha casa, eu finalmente caía na real sobre minha atual situação. Eu havia sido ajudada pela última pessoa na face da terra que eu esperava que fosse me ajudar. E eu não sabia o que dizer. Ele colocou meu irmão na cama e saímos do quarto. Eu fui até a cozinha e peguei a pipoca, que a essa altura estava murcha. Voltei para a sala mastigando e vi que ele estava parado no corredor, com cara de quem também não sabia exatamente o que fazer. Ou falar.

- Você está com fome? – Perguntei a única coisa que me veio à mente.

- Não. – Ele negou. Ótimo, eu não tinha nada para oferecer mesmo. – Acho que eu vou embora. – Pegou o celular e devia estar lendo a mensagem que havia recebido quando ainda estávamos no carro. Vi que ele fez uma careta e balançou a cabeça em negação.

- Tudo bem. – Concordei com o que ele havia dito sobre ir embora. – Olha... – Vi que ele me olhou, esperando o que eu tinha para dizer. Abaixei a cabeça e olhei para o chão. – Obrigada.

Ele demorou um tempo para esboçar qualquer reação, mas por fim respondeu que não tinha problema.

- Minha mãe disse para eu ficar aqui até eles chegarem. – Ele mostrou o celular rapidamente, como que explicando que era essa a mensagem que tinha chegado para ele.

- Não precisa. – Falei rápido e andei até a porta. – Ela havia me dito para te pedir isso. – Abri a porta. – Mas eu estou ótima. Só quero dormir.

- Claro. – Ele concordou e andou até a porta. – Eu não ficaria mesmo. Estou cansado.

- Lógico que está. – Balancei a cabeça compreensiva, um pouco exageradamente devo dizer. Eu estava praticamente expulsando ele da minha casa. – Não se preocupe comigo.

- Ah, não me preocupo. – Ele sorriu irônico e eu estreitei os olhos em sua direção. – Pra mim tanto faz. E vê se da próxima vez, toma conta melhor do seu irmão, para não estragar a noite dos outros. – Bati a porta na cara dele. E fui para o meu quarto, quase com fumaça saindo pelas orelhas.

Embora meu cérebro quisesse ficar repassando aqueles últimos acontecimentos repetidamente na minha cabeça, cheia de culpa pelo meu pai e pela Cíntia, meu sono não demorou muito para me vencer e logo eu estava dormindo.

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Ele e Ela [Os Dois Lados da História] [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora