KFC é um restaurante que mais parece uma lanchonete 'cool' de frangos fritos e ficava na esquina da rua do Christiano. Excepcionalmente naquele dia, algumas mesas estavam do lado de fora do restaurante, coisa rara de se ver. Nos sentamos em uma delas e pedimos tirinhas de frango temperado e refrigerante. Enquanto conversávamos, o vento refrescante passava entre nós amenizando o calor e fazendo as árvores próximas bater suas folhas num som delicioso de ouvir.
– É sério. – eu disse enquanto Christiano ria de mim. – Eu tenho espírito de velha da década de 50. Acho que na vida passada eu era uma mocinha que ficava sentada na janela de casa cantando e esperando o amor da sua vida resgatá-la. Eu sou muito careta, confesso.
– Careta? Não é não. – ele soltou mais uma leve gargalhada. – Só é diferente de muita gente de hoje em dia e isso é bom. Se orgulhe disso.
– Não me orgulho não. Minha vida seria muito mais fácil se eu curtisse essas paradas de pegação na noite. – sorri. – Com certeza eu me sentiria menos sozinho.
– Nada disso. Acho que quem vive de pegação acaba se sentindo muito mais solitário.
– É, mas – eu disse passando os dedos na latinha suada em cima da mesa. – eu realmente dou valor a sentimentos e não me sinto bem pegando alguém que mal conheço e não sinto nada. Pode me chamar de brega.
– Jamais. Desde que começou a falar mais sobre você eu tenho te admirado mais.
Ele sorriu, mostrando seus dentes alinhados e brancos, e manteve seus olhos fixos nos meus por longos segundos. Me senti desconfortável, mas daquela vez não consegui desviar o olhar. Me permiti a encará-lo até ele olhar para outra coisa e no fim me senti satisfeito e realizado só por me sentir mais a vontade com ele, que agora, mais do que nunca era realmente meu amigo.
– Eu preciso voltar pra casa, daqui a pouco anoitece e eu ainda estou aqui. – eu disse.
– Já? – ele olhou a hora em seu relógio e arregalou os olhos. – Nossa, nem percebi a hora passar. Já vai anoitecer mesmo.
– Nem eu. Conversamos demais.
– Gostaria que você ficasse mais um pouco – sua voz soou como na primeira vez que nos falamos, gentil e suavemente encantadora. –, mas é melhor você ir pra casa mesmo. Não quero criar problema pra você.
– Bobagem. É só porque meus pais estão sem chave e podem chegar a qualquer momento, senão ficaria aqui até altas horas.
– Tudo bem. Quer que eu te leve em casa?
– Me levar em casa?
– Meu pai deixou a chave do carro comigo. Posso te deixar no seu prédio se quiser, vai
chegar mais rápido, te garanto.
– Não precisa. Vou a pé mesmo. Gosto de andar. – eu disse me levantando. – Quanto deu a
conta?
– Relaxa, vou ficar mais um tempo aqui. Eu pago a conta quando for pra casa.
– Não! Deixa de ser doido. Vou pagar a metade, nada mais justo. – peguei meu cartão no
bolso e chamei o atendente mais próximo.
– Marcos, deixa pra lá. Amanhã você me paga um lanche na escola.O atendente chegou e pedi pra ele passar em meu cartão a metade do valor que havíamos gastado naquela tarde. Peguei minha notinha e a guardei no bolso junto com o cartão. Christiano continuou sentado, com os braços abertos e apoiados no encosto da cadeira vazia ao seu lado. Mais uma vez olhei para sua axila e a achei estranhamente atraente.
– Já vou indo então. – eu disse um tanto desconfortável.
Não sabia como me despedir. Talvez um aperto de mão fosse muito frio e distante para nossa amizade, talvez um abraço fosse intimidade demais. Não soube o que fazer e como ele estava sentado, acabei não fazendo nada.
– Vai lá, cara. – ele levantou a palma da mão dando tchau. – Não falte aula amanhã hein. – Pode deixar. Até amanhã.
– Até.Andei por entre as mesas ocupadas e segui meu caminho para casa. Olhei pra trás e vi Christiano com os cotovelos apoiados na mesa e suas mãos juntas parecendo estar com pensamentos sérios e distantes. Algo o intrigava, eu não sabia o que era e pelo que parecia nem mesmo ele sabia.
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O Amigo
Romance[EM REVISÃO] O romance O Amigo conta a história de Marcos e Christiano, que se conhecem na escola durante o ensino médio. Christiano é hétero, mas logo se vê atraído por Marcos e até tenta fugir, mas o desejo fala mais alto e os dois logo se envolve...