Primeiro Capítulo

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Setembro, 1848.

Ok. Agora é pra valer. Olhei para meu pai posto ao meu lado, montado em Storm. O cavalo negro em que sempre fui apaixonada, apesar de ultrapassar um pouco a idade, ainda tinha a liberdade em seus olhos. A mesma que existia nos meus. Por isso era imprescindível que eu ganhasse esta corrida. O prêmio era o belo eqüino e eu estava doida pra dar uns galopes pela propriedade! Afaguei o torço de Star, minha égua de pelagem tão alva como a neve.

- Vamos lá, Star! Vamos conquistar o seu papai!- ela remexeu a cabeça em resposta. O percurso improvisado pelas colinas verdejantes à margem do rio era plano e melhor que os dos últimos seis anos. Seis corridas perdidas. Hora de mudar o ritual. Minha mãe, Analu, Madalena e Isaac esperavam na linha de chegada. Não que eu os conseguia ver, minha vista andava embaçada nos últimos anos.

- Preparar, apontar...- gritou senhor Gomes com a arma apontada para cima. O barulho estridente fez eu e papai darmos partida ao mesmo tempo. Incitei as rédeas, fazendo Star galopar mais rápido. Vamos lá! Meu pai tinha um grande afinco em me fazer a maior amazona da vila, e como o título era passado a cada geração dos Clarke, fiz Star se mover tão rápida como uma estrela cadente. Colei meu corpo ainda mais a da égua e estava tão absorta que não vi a distância em que abri do cavalheiro em sua montaria negra. A fricção tão familiar à mim, fez a adrelina correr solta e já avistava a chegada. Sem perder a direção, olhei rapidamente para trás, me espantando. Apesar do esforço de Storm em nos alcançar, a abertura entre nós era significativa! Ai meu Deus! Conti o sorriso enorme que teimava em se abrir e me esforcei ainda mais, consequentemente passando pela chegada como uma bala. Cinco segundos depois, meu pai me alcançou. Desmontei e fui recebida pela esteria de mamãe e minha irmã.

- Arrasou total, Nina!- mamãe passou seus braços ao meu redor e eu ri em resposta. Assim que ela me soltou, Analu começou a pular junto comigo, esquecendo o decoro.

- Você ganhou, você ganhou, você ganhou! Estou orgulhosissìma minha irmã!

- Obrigada Analu!- falei comovida. Me virei e papai vinha em minha direção. Finalmente a expressão que eu anciava em ver. Os sorriso orgulhoso e olhos transbordando de euforia por mim.

- É amigão... Parece que fomos deixados para trás.- ele riu e me atirei em seus braços. Senti o amor paterno me inundar. Papai me soltou e passou as rédeas de Storm pra mim. Quase cai no choro ali mesmo. Acariciei seu focinho e o cavalo mexeu o rabo como um cachorrinho contente. Isaac me contava que ele sempre foi muito arisco, exceto comigo e com minha mãe. Bom, a afeição era mútua!

- Vamos passear muito Storm! Prometo que te deixarei andar livre às quintas. Mas guarde os outros dias para mim.- o cavalo me olhou parecendo entender as palavras e mexeu ainda mais o rabo. Isto é o que mais me encantava nele.

- Patroinha, deixa que eu levo Storm pra descansar um pouco. O coitado está esgotado!- ri e passei as rédeas para Isaac. Me alegrou ver que ele não corava mais ao meu uso de calças para a montaria. Ouvi um soluço e Madalena chorava copiosamente ao lado de seu Gomes.

- Oh senhorita Marina! Era um bebezinho ainda pouco! Daqui a pouco será uma mulher casada! Oh, meus nervos estão descontrolados!- a mulher levou a mão ao peito e segurei o riso.

- Não se preucupe Mada, prometo te visitar toda semana! E ainda nem sou noiva. Aquiete os nervos.- a governanta assentiu e rimos.
- Vou preparar um banho para senhorita.

- Eu lhe seria muito grata.- sorri e entramos. O clima de alegria me deixou nas alturas. Assim que passamos pela porta, trombei com Samuel.

- Marina! Te procurei por toda a parte! Me demorei pois fui abordado pela senhora Gonzales.- ele revirou os olhos.- Aquela mulher fala pelos cotovelos!- ri de sua cara de enfado.

- Perdeu boa parte do agito, mas eu ganhei! Storm é meu agora!- sorri radiante.

- Eu não duvidei um só momento!- enlacei seu pescoço com os braços, comemorando com meu melhor amigo. Ouvi alguém pigarrear ali perto e Sam me soltou já acostumado.

- Olá senhor Clarke! Acabei de saber das novidades!- meu amigo sorriu para meu pai, que o fuzilava com os olhos.

- Percebo - cuspiu, insatisfeito.

- Papai...- ele olhou pra mim e seu olhar se suavizou um pouco.

- Acho melhor esconder as armas.- minha mãe sussurrou e Analu assentiu com firmeza.

- Elisa o acompanhou, Samuel?- papai disse um pouco mais ameno.

- Ela está vindo, senhor Clarke. Mas me apressei antes deles e, infelizmente, foi em vão.- apontou chateado.

- Não fique assim Sam! Você soube de primeira mão!- afaguei seu braço.

- Um consolo, pelo menos.- deu de ombros. Entramos e seu Gomes trouxe uma bandeja com sucos, chá e café. Optei pelo chá, precisava relaxar os músculos. Minhas coxas reclamavam e as mãos ardiam.

- Como tá a faculdade, Samuel? Puxada?- mamãe indagou e recebeu um olhar confuso.

- Bom, senhora Clarke, está trabalhosa, mas creio que não é puxada por nada.- ri.

- Puxada é como... difícil.- lhe expliquei.

- Ah! Claro, então a resposta é sim. Está... puxada.

- Imagino. Titia disse que tio Lucas operava porcos.- Analu apontou.

- Sim, operamos muito suínos Analu.- ele riu.- Creio que passarei para pessoas de verdade em breve. - disse tranquilo, mas eu vi o nervozismo em seu olhar.

- Fique tranquilo, você é ótimo! Em breve será o próximo doutor Guimarães, já que Alexandre não parece levar jeito para isso.- o filho do meio de tia Elisa era um pintor nato como meu pai e o caçula não tinha nem idade para montar.

- Realmente! Mas ele retratou tio Saulo com espantoso detalhismo.

- Ora, ora, meu sobrinho retrata pessoas agora?- papai se interessou sentando-se ao lado de Analu.

- Sim, sr. Clarke. Ele perdeu o receio e arriscou.

- Isso me lembra alguém.- mamãe murmurou e trocou um olhar conspiratório. Madalena entrou anunciando a chegada de Elisa e que meu banho estava pronto.

- Diga a tia Elisa que ficarei apresentável e logo desço para comprimenta-los.- sai da sala, passando pelo corredor.

- Nina, espera.- Sam saiu do campo de visão da sala e se juntou à mim no corredor.

- O quê houve, Sam?

- Comprei algo pra você. Pra celebrar, bem... Sua vitória.- ele coçou a cabeça e sorriu. Tirou uma caixinha do bolso do casaco e depositou em minha mão.

- Como sabia que seria vitoriosa?- olhei desconfiada.

- Eu simplesmente sabia. Estava estampado em seus olhos.- ele olhou bem dentro dos mesmos.- Agora abra.- assenti com a cabeça e desamarrei a fita de cetim enlaçada a caixa. Retirei a tampa e uma fina corrente prata repousava na almofadinha preta. Um pingente em forma de ferradura se atrelava as contas. Suspirei.

- É lindo Sam! Obrigada! Não imagino presente mais adorável.- lhe dei um abraço apertado que ele retribuiu com afinco.

- Agora vou voltar, antes que seu pai venha e me desafie a um duelo.- ele riu e o soltei. Segui o rumo do meu quarto e não fazia idéia de quanto aquela calmaria duraria pouco.

AguardadaOnde histórias criam vida. Descubra agora