O pé para fora da banheira dificultava um pouco a tarefa de tomar banho, mas já não aguentava mais ficar acamada. Era necessário pelo menos um antes do jantar. Algumas mechas do coque caíram, quase tocando a água. Uma batida na porta me sobre-saltou.
- Hmm...Quem é?- perguntei. Provavelmente era alguém para ajudar a vestir-me, mas nunca se sabe.
- Tia Elisa - sorri.
- Pode entrar.
- Como se sente, querida?- passou pela porta e veio me ajudar, trazendo a toalha.
- Meu pé dói um bocado, mas o emplasto que tio Lucas fez, ajuda com a ardência.- fiz uma careta e ela concordou com a cabeça.
- O quê aconteceu? Não entendi nada que Sofia explicou!- sorriu, mostrando covinhas idênticas as da minha irmã.
- Lembra dos tênis da minha mãe?
- Como poderia esquecê-los?- expliquei a história para ela, ocultando a parte que o senhor Montini me ajudou. Bom, o quê não ajudou muito, já que minha tia perguntou sobre o mesmo.
- Analu contou-me que o senhor Montini foi muito atencioso.
- Sim, ele foi de grande ajuda.- desviei o olhar para a água.
- Ele te amparou quando desmaiou! Tem que ser mais cuidadosa Nina! Imagina se bate a cabeça no chão...- ela levou a mão ao coração, o rosto retorcido de preocupação.- Não quero nem pensar nisso.- segurei a mão da minha tia, me sentindo extremamente culpada. Na hora pareceu-me uma boa ideia... Espere. Então a superfície macia em que caí foi nele? Eu devia um agradecimento, afinal. Poderia ter um talho não só no pé, mas na cabeça!- Oh! Quase me esqueço! Separei um vestido para você.- ela piscou pra mim e ri.- Não posso me demorar mais ou Bart fará uma guerra com Senhora Veiga.
- O quê é agora?- me interessei.
- Ela quer fazê-lo vestir um colete.- minha tia revirou os olhos. - Teria mais sorte fazendo fazendo sua mãe deixar de ser teimosa!
- Ambos são causas impossíveis.- rimos.
- Se precisar de qualquer coisa, não exite em me procurar. Estarei no quarto.- assenti.- Agora vou me retirar, te amo.
- Também te amo, tia.- ela saiu e me enrolei na toalha. Sequei as pernas e o pé, com cuidado. Meu histórico de derrapagens por pé molhado era ínfima, não era uma boa hora de sofrer outro acidente! Enquanto procurava meu espartilho, vi a porta ranger e passos suaves se aproximarem.
- Esqueceu algo?- virei e me deparei com o vazio. Bem, até olhar pra baixo. Bart, com um smoking preto, me saudava sorridente.- Ora, veja se não temos um cavaleiro aqui.- ele fez uma careta.
- Ai não, Nina. Dona Veiga ta fazendo Bart vestir essas coisas. Bart não gosta nem um pouco.- ri. Aquele é o novo "jogo" dele. Se referir na terceira pessoa.
- E porquê o está usando?- perguntei, confusa.
- Bart está provando para seu baile.- o pequeno revirou os olhos azuis.- Não entendo pra quê provar. O quê acha?- ele voltou a atenção pra mim.
- Acho que está muito elegante. Um pequeno príncipe.- ele riu, mostrando a brecha dos dentinhos da frente. Ele me analizou e encrespou o cenho.
- Porquê você está só de toalha?
- Sua mãe trouxe o vestido dela pr...
- Ai meu Deus, mamãe está sem roupas! Tenho que levar pra ela!- Bart pegou o vestido com as mãozinhas ágeis e saiu correndo, porta á fora.
- Bart! Volte aqui!- sai pulando em um pé só, atrás do delinquente mirim.- Bart! Para!- Obviamente suas perninhas eram mais ágeis que as minhas. O cabelo caiu na minha cara enquanto eu pulava, obstruindo minha visão.- Ai droga.- tentei tira-lo, mas ele grudou. Enquanto tentava me locomover, bati com tudo com uma coisa dura. Já via minha queda, mas braços rodearam minha cintura. Por favor, que seja meu pai, Sam, qualquer pessoa menos...
- A senhorita está bem?- Caleb afastou as mechas do meu rosto delicadamente, me olhando sério. Parece que minhas preces não foram atendidas, afinal. Quando ia responder, ele fixou o olhar nos meus olhos e fiquei perdida por um momento, sem fôlego. Senti seu braço se estreitar um pouco e a expressão mudar. Não tive tempo de raciocinar muito sobre o assunto quando seu olhar se fixou na minha boca. Nem percebi que minhas mãos se enrolaram em seu casaco, até eu aperta-lo mais contra mim. Ele virou a cabeça em direção ao corredor, me deixando confusa.
- Opa!- mamãe estancou, olhando para nós dois. O vestido azul na sua mão me lembrou de como eu estava vestida. Corei violentamente, me soltando de seus braços. Caleb me olhou de cima em baixo e virou o rosto, parecendo envergonhado. Ai. - Ok... eu vou dar meia volta e fingir que não vi nada.- mamãe disse, prendendo o riso. Concordei com a cabeça e praticamente corri para o quarto, com resto de dignidade que me sobrara. Não, não, não. Como estou envergonhada! Nunca um cavalheiro me viu nestas condições! Oh não! E se ele espalhar para vila inteira? O nome Clarke estará arruinado! Me sentei na cama, com o coração palpitando a mil. Então minha mente foi vagando em outras direções. A força de seus braços em torno de mim. A centelha de algo que não reconheci em seu olhar. Caramba, o quê será isso? Pelo que minha mãe explicou, isso é desejo. Desejo? Desejo eu tenho pela comida de Madalena. Por aquele senhor, apenas gratidão! A porta foi aberta e minha mãe me olhou com malícia.
- Filhinha, trouxe o seu vestido.- ela sentou-se do meu lado e começou a olhar para o teto, como quem não quer nada.
- Pode falar mãe, é um desastre!- me deitei na cama e cobri os olhos com o braço.
- Desastre seria se seu pai a tivesse encontrado. Isso sim seria um desastre total!- ela riu e eu concordei. Nem gostaria de imaginar o que papai faria.
- Mamãe, e se o senhor Montini contar para a vila inteira?! Jogarei o nosso nome na lama!- girei ficando de cara no colchão.
- Ai Nina, para de ser dramática. O Caleb não vai falar nada. Se ele falar, corto o saco dele!
- Mãe!- censurei, rindo. Senti ela se deitando ao meu lado e acariciando meus cabelos.
- Como vocês foram parar naquela... situação?- desenterrei o rosto da cama e me virei pra ela.
- Tia Lisa trouxe um vestido para mim. Quando eu estava saindo do banho, Bart entrou e pensou que ela estava, bem, sem roupas. Então saiu correndo pra levar o vestido pra mãe. Eu fui atrás dele e acabei trombando com...- corei de vergonha ao pensar na cena.
- Uau! Ótimo começo de um romance.- ela riu e eu fiz uma careta.
- Ótimo começo de um desastre, só se for!- anui, envergonhada.
- Nina, nina... Eu sei que por baixo dessa fachada envergonhada você ta louquinha pensando naqueles braços fortes.- olhei horrorizada pra ela.
- Mãe!
- Que foi? Quando conheci seu pai, eu só pensava nisso. Bom...- ela enrolou o cabelo no dedo, com um sorriso cúmplice.- Penso até hoje!- riu e eu a acompanhei.
- É... talvez eu tenha pensando um pouco nisso.- admiti, olhando para o teto.
- Eu sabia! Você herdou meu sangue.- ela piscou pra mim.
- Como assim?- me virei pra ela, confusa.
- Logo saberá. Vem, vamos te vestir. Você tem um par de olhos verdes para encarar!- ela riu. Eu só queria me esconder. Me esconder e nunca mais sair!
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Aguardada
RomansA história de Marina Alonzo Clarke. Nina nunca foi uma pessoa propensa as regras do século 19. Diferente da irmã Analu, sempre foi mais "saidinha", nas palavras de Sofia. Agora com 18 anos, ela enfrentará o maior desafio de sua vida, conhecendo algo...