Décimo Terceiro Capítulo

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Eu estava a encarar a folha tão alva quanto a neve. Já tinha tentado antes, mas simplesmente não fluía! Não sabia o que escrever! Estava tão inquieta com a carta que minhas mãos chocalhavam incansavelmente. Inspirando fundo, comecei.

"Meu caro, estive a pensar que tinha desistido de nossas confidências, mas alegrou-me saber noticias suas."

 Um bom começo. Contido, quando queria desesperadamente enfatizar o quanto havia sentido falta daquelas linhas que faziam meu coração flutuar.

"Como é na faculdade? Sempre tive curiosidade de saber. Aliás, não contou-me o quê o senhor esta cursando, de qualquer maneira, estou radiante por isso."

Bom. Mais ou menos. Por causa disso fiquei um bom tempo sem saber dele. 

"Devo confessar que estou ainda mais curiosa sobre a surpresa que menci..."

Uma batida fraca na porta me interrompeu. Juntei todos os apetrechos que estava usando e coloquei dentro da gaveta da escrivaninha. Não iria arriscar. Aprumei os ombros e me apoiei na muleta, caminhando até a porta. Quem seria? Depois de me encontrar com Sam e Thomas e escrevermos por cerca de 3 quartos de hora, voltei para o meu quarto. Analu já estava lá, fazendo tranças no cabelo para dormir. Ficamos conversando, contei todo o conteúdo das cartas e ela ficou tão curiosa quanto eu sobre a surpresa. Ela perguntou sobre Caleb e, muito acanhada, eu lhe contei sobre seu desejo de me encontrar. Por um momento ela estava aquela menina radiante novamente.

- Niiina, você tem que ir!- dissera, de joelhos no colchão enquanto eu enrolava uma mecha do cabelo no dedo, sentindo minha face corada.- Ele quer te fazer corte, você não percebe?

- Mas Analu, e se o cavalheiro das cartas apare...

- Ah não Nina, você nem sabe como ele é! Pode ser um ogro! Não pode deixar uma pessoa de carne e osso escapar por uma imaginária! E nem adianta fazer essa cara! Ele parece mais um personagem do que um ser humano vivente.- disse convicta. Mas eu não conseguia deixar de pensar no me preletor. Ele me conhecia tão bem... 

Analu havia surrupiado algumas sobremesas, então ficamos comendo e conversando, mas chegou uma hora em que ela apagou gradativamente, se rendendo ao cansaço. Eu estava muito desperta! Andei pelo quarto, não me contendo. Dois motivos me inquietavam: 

1- Não conseguia fazer meu estômago se parar de se remexer furiosamente. Sempre que eu me lembrava dele, algo parecido como um furacão acontecia ali.

2- Eu precisava responder a carta. 

Eu tinha que resolver pelo menos uma das duas questões. Como meu estômago parecia se rebelar contra mim, resolvi optar pela segunda opção. E era isso que eu estava arduamente tentando, porém sem muito sucesso. A pilha de folhas amassadas era prova dos muitos rascunhos indignos ao meu ver. A vela já estava pela metade quando uma batida fraca na porta me despertou. Escondi a bagunça e me levantei com a ajuda da muleta, tentando fazer o menor barulho possível para não acordar Analu, que roncava. Abri a porta, deparando-me com meu pai em posse de uma bandeja.

- Pa...Papai. O que faz aqui?- sorri amarelo, torcendo as mãos. Eu deveria ter escondido a papelada melhor.

- Percebi que mal tocou a comida Marina. Precisa se alimentar pra poder se recuperar.- seu tom estava sério, porém seu olhar só revelava preocupação.

- Acalme-se papai, foi apenas um corte. Certamente estarei boa em uma semana! Só estava sem fome.- dei de ombros, me sentando no banquinho da penteadeira. Ele entrou devagar, olhando pra Analu e dando um risinho. 

- Você anda sem fome ultimamente. E isso tem um nome.- ele estreitou seus olhos para mim.

- Barriga cheia?- tentei, virando a cabeça pro lado. Papai riu, colocando as mãos em seu rosto.

- Estou rodeado por mulheres Clarke que sempre tentam me enrolar. E elas são amáveis demais para me irritar.- ele ria, com diversão no olhar.

- Está tudo em sua perfeita ordem papai, você precisa relaxar!

- É difícil relaxar quando a minha filha nem completou 18 anos e há vários rapaizotes mandando cartas e lançando olhares nada discretos.- seu olhar mudou para acusatório, me fitando. Mal sabia ele que minha vida romântica estava tão pacata quanto a de um espantalho. Estava se preocupado com a Clarke errada, mas não seria eu a avisa-lo!

- Acho que quem está precisando se alimentar melhor é você papai. Está tendo delírios.- olhei para meus pés, tentando não entregar nada.

- Está dizendo isso para me convencer ou a si mesma?- suas palavras chamaram minha atenção, fazendo meus pensamentos viajarem para outro lugar. Para outra pessoa. Pisquei rápido, balançando a cabeça. É, talvez eu que precisasse comer.

- Papai, agradeço pelo jantar, ele parece realmente apetitoso. Vou comer tudo!- numa tentativa desesperada em mudar de assunto, selei a promessa dando beijinhos em cada lado dos dois dedos estendidos.

- Espero que sim Nina, não sabe o desespero que me deu quando a vi machucada.- sua face se contorceu e seus olhos estavam cheios de angústia.- Bom, vou deixa-la com seus pensamentos e com esse belo pernil. Se precisar de seu velho pai, sabe onde me encontrar.- ele piscou pra mim, tentando mostrar diversão, mas aquela ruga de preocupação não deixou-lhe a testa.

- Obrigado papai. De verdade.- dei um abraço apertado nele.- Eu te amo.

- Também te amo meu amorzinho. Não se demore a dormir, sabe como a senhora Veiga é rígida com isso.- ele revirou os olhos rindo e beijou-me os cabelos.

- Papai?

- Sim?

- Se... se eu... Eu queria te perguntar se...- não conseguia completar a frase. Como iria contar ao meu pai que estava apaixonada em alguém que só conhecia a letra? Como poderia perguntar que, se algum dia meu preletor aparecesse e fôssemos algo a mais, ele iriam me apoiar? Como lançar varias dúvidas sobre amor e aquelas borboletas estranhas no estômago sem levantar suspeitas?

- Continue.

- Hum, não é nada. Acho melhor me apressar antes que levemos uma vassourada na cabeça.- ri, tentando fazer graça.

- Quando estiver pronta para falar, estarei pronto para ouvi-la. Boa noite Nina.- papai encostou a porta me deixando parada como uma espiga. Respirei fundo. Minha cabeça estava uma confusão nos últimos dias.

Mancando até o banquinho da escrivania, me sentei e comecei a saborear o jantar. Era quase o céu! Comer pra mim era como um hoobie, ia além da necessidade de nutrição. Eu cria, com maior afinco, que a comida pode realmente mudar o humor de uma pessoa.

Assim que terminei de lamber os dedos, limpei meu rosto com o guardanapo, me pondo de pé. Hum. Se eu não tirasse aquela bandeja dali, meu quarto ficaria cheirando a gordura, o que não seria muito agradável. Pela hora, senhora Veiga estaria no décimo sono. Caminhar vai ser bom pra digestão, me convenci tentando rebater a real intenção daquele passeio. Não que eu queria esbarrar de novo com alguém ou algo do tipo. Com toda certeza não era nada disso.

Peguei a muleta e me pus a caminhar fazendo o menor barulho possível. Se alguém me visse acharia que estava fugindo, pois olhava freneticamente para todo canto daquela enorme casa. Cheguei na cozinha sem menores problemas, me sentindo meio decepcionada. Furtei alguns biscoitos de chocolate para não ser uma completa perda de tempo e voltei para o quarto. Quando estava passando pelo corredor, vi de relance uma porta sendo fechada. Pela hora seria alguém usando o banheiro (tia Lisa havia aderido a muito tempo), ponderei. Quando ia entrar em meus aposentos, ouvi um som, como de papel amassando. Olhei curiosamente pro pequeno envelope que estava no chão, parte no corredor, parte dentro do quarto. Peguei revirando para saber de quem era.  Abri com o cenho franzido. Nenhum mensageiro entregava cartas aquela hora e certamente os empregados não distribuíam as correspondências de tal maneira. Então eu comecei a ler as primeiras linhas. Minhas mãos soaram frio, meu coração galopou como louco. Não pode ser o que eu estou pensando que é! Ou pode?!

AguardadaOnde histórias criam vida. Descubra agora