Terceiro Capítulo

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Há três anos atrás foi uma noite espetacular. Ha três anos foi quando enfim minha mãe teve uma conversa bastante peculiar comigo. Há três anos foi meu baile de aniversário, onde completei 15 anos. E o mais importante. Há três anos foi que elas começaram a chegar. Todo mês meu correspondente secreto enviava uma. No começo estranhei. Ora bolas, conheci tantas pessoas naquele baile! Tantos cavalheiros me pediram danças! Devo ter prometido umas 10, até mais! Houve destaques, claro, mas até então nada passou de um flerte.

Depois das primeiras cartas fiquei pensando e pensando quem poderia ser. Bom, não cheguei a nenhum resultado conclusivo, então simplesmente passei a aprecia-las. Gostei tanto que quando elas chegavam meu coração disparava a mil! Ja tinha lido sobre a sensação nos diversos livros contidos na biblioteca Clarke. O coração inquieto, borboletas estomacais, pernas bambas. Tudo era fraude, até as cartas chegarem e mostrar que isso existe sim!

Depois de um ano, meu correspondente teve a brilhante idéia de que, se eu quisesse responde-lo, enviasse dentro do mesmo envelope para a agência de correios. E foi isso que eu fiz. Essa brincadeira me rendeu vários suspiros, risadas e uma crescente vontade de saber quem ele era. Então elas simplesmente pararam. Meses se passaram sem eu receber nada. Decidi deixar o assunto de lado. Talvez ele tivesse se casado? Cansado de enviar? Se mudado? Várias possibilidades rondaram minha cabeça. Por isso aquele pequeno pedaço de papel é tão importante.

Retirei o papel pardo do envelope e quando desdobrei, uma peônia branca envelhecida me saldou. Coloquei-a cuidadosamente ao lado e fui pra parte que mais me interessava.

"Querida Marina,
Acho que lhe devo um pedido de desculpa. Sei que não lhe escrevi por um longo período. Me perdoe por isso.
Aqui vai o porquê: estou cursando faculdade. Sim, fui aceito na grande universidade da Europa! Meu peito quase não aguentou de tanta alegria. Bom, até eu partir. Me dei conta que levaria muito tempo para que lhe chegasse as cartas. Mais ainda pra que eu recebesse uma resposta. Seu aniversário está chegando e tenho uma surpresa para você, porém terei que atiçar sua curiosidade por mais algum tempo, algo que lhe custará muito, eu sei. Seria um disparate lhe dizer que sinto falta de sua escrita? E da própria preletora, aliás. Estava andando pelos jardins e vi as mais belas peônias brancas que se pode imaginar. Me lembrei logo da senhorita. Tão delicada e linda, de uma profundide enorme. Não as flores.
Aqui me despesso e anceio a hora que poderei ter resposta sua. Diga se ainda lhe agrada ouvir palavras de um jovem tolo, pois para mim é um imenso prazer escrever para a senhorita. Peço que não me prive desse capricho, mas entederei se o fizer.
Sempre seu."

Percebi que minhas mãos tremiam assim que acabei a leitura. Ele... Como assim ele tinha uma surpresa pra mim? Mandaria um presente como das últimas vezes? E as palavras doces, o fato de ele ter lembrado minha preferência em relação as flores. Abismada era pouco para meu estado agora. Abracei a carta contra o peito. Tinha que guarda-la com as outras. Abri meu baú e tirei lá do fundo uma caixinha de madeira entalhada como varios ramos de flores. Abri a tampa e sorri ao coloca-la ali. Guardei a caixa novamente e fui a minha estante. Tirei de lá uma versão de um livro recém adquirido e marquei com a flor uma das citações que ele vivia me dizendo. Como é possível que me conheça tão bem e eu não posso nem apontar a cor de seus olhos?

Se eu me demorasse mais um minuto, papai viria atrás de mim. Então preparei a pena e o papel para responde-lo mais tarde. Olhei-me no espelho. Corada e sorridente. Ótimo. Ajeitei a saia e fui em direção a sala de jantar. Todos já estavam sentados, conversando animadamente.

- Vem Nina, to varada de fome.- mamãe disse e me sentei ao lado dela, de frente para Analu. Minha irmã murmurou um silencioso "e então?". Respondi com um "Mais tarde". Ela assentiu e voltou os olhos para o prato. Madalena e os funcionários entraram com o jantar. Me servi e comecei a saborear a perfeita culinária da governanta. Hummm... A carne se dissolvia na minha boca criando sensações mági...

- E então Nina, do quê se tratava a correspondência?- papai olhou pra mim, as mãos em baixo do queixo. Todas as cabeças se voltaram pra mim. Acabei de mastigar e tomei um gole de meu refresco, conseguindo tempo para pensar.

- Ah papai, nada de mais. Apenas a carta de um... uma amiga.- sorri da maneira mais convincente que pude. Minha mãe diz que eu puxei o lado dela em mentiras, ou seja, um desastre. Ele cerrou os olhos.

- Ian? Ahn... Eu...- minha mãe tentou intervir. Sem sucesso.- Eu preciso que você me ajude com uns documentos da fábrica!- ela se animou e papai a olhou confuso.

- Agora? Estamos no meio do jantar, Sofia.- Analu olhou pra mim em alerta.

- Eu sei... Mas acabei de lembrar e... Você sabe como eu sou anciosa.- riu nervosamente. Meu pai olhou de mim pra minha mãe. Dela pra mim. Balançou a cabeça cansado.

- Tudo bem, vamos meu amor. Com licença.- meu pai estendeu o braço pra minha mãe, que olhou nervosa pra mim, indicando o corredor com a cabeça.

- Eu não compreendi nada do que acabou de acontecer!- tio Lucas disse olhando confuso pra tia Lisa. Ela apenas balançou a cabeça e pressionou a boca, segurando o riso.

- Analu, eu vou subir. Perdi a fome.- lancei o olhar "leve comida para mim" que sempre usamos, desde pequenas. Ela assentiu e voltou a comer calmamente.- Bom, com licença.- fiz uma leve mesura e segui rumo ao meu quarto. Passei rapidamente pela porta do escritório do meu pai e me enfiei na biblioteca. Peguei uma pena que tinha ali e posicionei o papel de carta especial que eu escondia desde os 15 anos. Tenho uma carta para responder.

AguardadaOnde histórias criam vida. Descubra agora