Acordei observando a bela dança das partículas no feixe de luz que entrava pela janela. Listei as tarefas na minha cabeça.
1- Me vestir
2- Escovar Storm e Star
3- Café da manhã
Hmm... Isso não é bem uma tarefa.
4- Acabar os convites
5- Ir à vila.
6-
Acho que acabaram por aqui. Vesti meu vestido mais velho que usava para cuidar dos meus eqüinos. Ele tinha um decote em forma de "u" no busto e não tinha mangas. Eu me sentia um pouco nua quando o usava, já que não punha meias, crinolina, espartilho, nem nada adequado. Era o puro vestido. Prendi os cabelos em um rabo e ele caiu em cachos sobre o tecido azul. Fui na ponta dos pés até o quarto dos meus pais. Reunindo coragem, bati.- Hmm, só um instante.- uma voz abafada disse. Dois minutos depois, meu pai abriu uma gretinha. Seu semblante se tornou preocupado.- Nina? Aconteceu alguma coisa?- ouvi uma movimentação do lado de dentro e em questão de segundo minha mãe estava em minha frente.
- Você adoeceu? Pegou fogo em alguma coisa?!- minha mãe analisava meu rosto a procura de algo. Ri.
- Não mãe, é que estou indo escovar Star e Storm e... Bom, será que poderia...- fiquei sem graça. Não gostava de pedir seus tênis, como ela chamava, emprestados.
- Ah, claro! O All-Star. Que susto Nina!- ela pôs a mão no coração e me abraçou.
- Calma mãe. Estou bem.- olhei para meu pai por sobre o ombro e ele me olhava com diversão. Ele afagou meus cabelos.
- Saiba que estou mais que orgulhoso de você, Nina. Estou indescritivelmente radiante. E não só pela vitória.- ele acrescentou sério. Lágrimas empossaram meus olhos.
- Obrigada pai!- vi que seus olhos também brilhavam. Mamãe acariciou meu rosto com carinho e enxugou o canto dos olhos.
- Ok, ok! Chega de chorôrô! Vou pegar os tênis.- assenti com a cabeça e meio minuto depois ela me entregou seus sapatos confortáveis.
- Já os devolvo, prometo.
- Ah filhota, não se preocupe com isso. Já tava na hora de passar ele pra próxima geração.- ela riu e abraçou a cintura de meu pai. Assenti e me retirei, dando um beijo na bochecha de cada um. Assim que virei o corredor, sentei no chão e os calcei. Era como estar no céu dos pés! Afofei o vestido para não aparecer o tecido vermelho do sapato e fui até o estábulo. Passei por Isaac que me saldou animadamente até olhar minhas vestimentas. Corou violentamente e baixou o olhar. As calças ele acostuma, mas ao vestido não?! A compreensão não me atinge! Ignorei e corri até a baia de Storm. Já acostumado comigo, ele não se assustou. Acariciei seu focinho.
- Oi amigão! Vou escovar você agora, deixa-lo irresistível para produzir ainda mais potrinhos.- ele resfoguelou, concordando. Puxei sua rédea, levando-o para um lugar mais espaçoso. Peguei a escova no cesto no chão e comecei o trabalho. Meu pai era um tratador muito cuidadoso, por isso não me demorei muito. Passei para Lua e sua pelagem brilhava como o sol do meio-dia. Coloquei-a de volta a baia e selei Storm. Porquê não uma voltinha? Isaac apareceu quando eu estava me preparando para subir.
- Vai cavalgar patroinha? Deixa que eu pego a cela feminina.- ele se encaminhou, mas eu o detive.
- Não precisa Isaac, vou com esta.- ele me olhou como se tivesse visto um fantasma.
- Mas... Senhorita Marina, tem certeza? Suas... Suas vestes...- me segurei para não revirar os olhos.
- Acalme-se, não vou muito longe, prometo.- sai de lá antes que ele me impedisse ou algo do tipo. Montei e começamos num trote calmo. O ar fresco da manhã saldou minha pele com suavidade. Começamos a pegar mais velocidade as margens do rio. Aquela sensação, de controle e liberdade, é responsável por grande parte de meu amor pelos cavalos. Me sentia eu mesma ali. Storm parecendo compreender minha vontade, cavalgou mais rápido ainda. Estava tão absorta que só reparei que estávamos longe quando vi a árvore de papai e mamãe. Desde pequena eles me contavam sobre ela e como o amor começou ali. Deti Storm e saltei. Ele ficou mordiscando a grama e fui em direção ao entalhe feito por mim e Analu. Passei o dedo pela borda do coração.
Certa vez nossos pais foram visitar o Dr. Almeida e ficamos com Madalena. Sempre conseguimos burlar a governanta, por isso quando ela foi preparar o almoço, fugimos. Fomos só até a árvore por medo de não conseguir voltar. Nessa época, Thomas, nosso primo, tinha contrabandeado um canivete de seu pai. Sabendo de nosso plano ardiloso, ele nos encontrou lá e entalhamos nossos nomes. Até hoje ninguém sabe como nem quando conseguimos. Me senti uma criminosa. Ri com a lembrança. Ouvi um trote e me virei.
Um cavalo alto e robusto, de pelagem acinzentada se aproximava, trazendo um cavaleiro. Pela distância não consegui identificar seu rosto. Estava todo desfocado. Esfreguei os olhos. Hm, não ajudou muito. Inesperavelmente, ele começou a cavalgar em minha direção. Ai droga. Tapei a boca apesar de não ter proferido o insulto. Seria muito desrespeitoso se eu subisse em Storm e "me mandasse"? Conclui que sim. Empinei o queixo e quando o homem se aproximou com sua montaria, fiquei perplexa. Dos ombros proeminentes, os bíceps fartos, costas largas. Subi um pouco o olhar. A barba para fazer misturado com os olhos verdes profundos e o tom negro de seus cabelos me fez dar um passo para trás. Ele me olhava atentamente. Senti algo sacolejar dentro de mim. Tarde demais percebi que era meu coração retumbante.
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Aguardada
RomansaA história de Marina Alonzo Clarke. Nina nunca foi uma pessoa propensa as regras do século 19. Diferente da irmã Analu, sempre foi mais "saidinha", nas palavras de Sofia. Agora com 18 anos, ela enfrentará o maior desafio de sua vida, conhecendo algo...