Eu estava correndo. A camisola branca enroscava em minhas pernas a cada passo urgente. Meu peito arfava a procura de ar, lembrando-me que nunca fui assídua em treinamentos que exigem tais esforços. Nada menos que espera-se de uma dama, mas naquela hora eu não podia ser uma. Os soluços ecoavam sobre a noite fria e as lágrimas se tornavam gélidas pelo vento que me atingia. Quando vi as portas tão familiares de minha casa, senti um alívio que quase me fez cair de joelhos. Quase. Mas havia algo de errado. Aquela casa estava completamente abandonada. O jardim, antes tão bem cuidados, tinha árvores mortas, relva alta e folhas secas por todo ele. As paredes que eram creme, estavam amarronzadas, descascadas. Meu coração se apertou. O havia acontecido ali? Onde estava a minha família? Onde estava toda a minha vida? O pânico começou a atingir-me. Olhei em volta freneticamente a procura de alguma coisa, qualquer coisa. Eu não podia estar sozinha, não agora! Não, não...
- Não!- gritei. Eu estava completamente ofegante, com o coração disparado. Então comecei a reparar a meu entorno. As cortinas brancas que brumavam a claridade, as paredes azuis que me eram tão familiares, o colchão macio que eu repousava todas as noites, o lençol alvo em que minha mão agarrava fortemente. Foi só um pesadelo. Respirei fundo, pondo a mão em meu peito. O tum-tum-tum frenético foi se acalmando a medida em que eu respirava o cheiro de flores. Um minuto. Flores? Será que o o aroma do salão estaria chegando aqui? Minha pergunta foi logo respondida pelo buquê em tons azulados disposto no vaso de cristal. Havia um cartão preso a um dos caules, o que me fez prender a respiração. Com a mão trêmula, peguei-o. Dois pares de esmeraldas surgiam cada vez que eu piscava, misturadas com o sorriso torto que me balançava as estruturas. Respirando fundo, abri.
" Ansioso por nossa dança. C.M"
Aquilo fez meu coração se alvoroçar tão furiosamente que eu sentia-o no corpo inteiro. Meu estômago se agitou como se várias fadas dançassem ali dentro, batendo suas asas. Um sorriso começou a abrir em meu rosto sem que eu me desse conta. Me levantei para guarda-lo junto com o outro. Hum, sim. Eu havia-o guardado. Não na caixinha das cartas, parecia errado de alguma forma, como se eu estivesse traindo meu preletor. Podia não fazer muito sentido, mas era como eu me sentia. Geralmente sentimentos não fazem sentido, afinal.
Abri o porta-jóias e o escondi em baixo de uma das almofadinhas, junto com os anéis então a ansiedade me atingiu por completo. O baile seria hoje e eu dançaria com Caleb... Aquilo me fez ficar desconfortável e quente dado aos últimos acontecimentos. Eu tinha que impedir que se repetisse, mas eu simplesmente não tinha controle dos meus atos. Eu só queria toca-lo, estar perto dele, fazê-lo rir, beij... pisquei. Hum, aquilo já estava indo longe demais e ficar pensando com meus botões não me ajudaria em nada. Eu precisava de alguém experiente no assunto! Determinadamente, levantei-me rumo a porta, mas quando fui abri-la, atingi em cheio algo e vários tecidos caíram junto comigo. Me perguntei quando ia acabar a sessão de desastres.
- Nina! Me desculpe!- Analu me acudiu, com madame Georgette e Anelize a seu encalce.
- Acho que já estou me acostumando...- soprei uma mecha que cobria meu rosto, rindo. Minha irmã acompanhou, tirando as várias camadas de tecido de cima de mim.
- Oh mademoiselle Marrina, se machucou?- a estilista correu esbaforida, tentando me levantar, junto com sua ajudante. Elas confeccionavam vestidos antes de eu nascer, e logo se notava pela cabeleira branca disposta em um belo coque de madame. Já Anelize era mais modesta, porém suas feições a faziam parecer mais nova, já que ela tinha por volta de 38 anos.
- Obrigada, estou bem madame.- ajeitei o vestido.
- Imagine que lástima serria se minha bela crriação não pudesse ser usada hoje...digo, se a senhorrita não pudesse comparecer hoje!- ela colocou a mão no coração, teatralmente, com a boca em formato de o. Algo me diz que a preocupação dela não era exatamente comigo.
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Aguardada
RomanceA história de Marina Alonzo Clarke. Nina nunca foi uma pessoa propensa as regras do século 19. Diferente da irmã Analu, sempre foi mais "saidinha", nas palavras de Sofia. Agora com 18 anos, ela enfrentará o maior desafio de sua vida, conhecendo algo...