Segundo Capítulo

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Assim que me sequei, abri o armário em busca de um vestido promissor. Escolhi um azul royal com pequenos entalhes em branco. Peguei a anágua, o espartilho, as meias, a crinolina especial e forquilhas. Preciso de Madalena. Como se ela tivesse lido minha mente, entrou no quarto.

- Madalena! Estava pensando em você agora mesmo!

- Oh! Parece que vim em boa hora então.- ela analisou minhas escolha.- Que vestido lindo senhorita!

- Obrigada Mada! Agora venha me ajudar com essas amarras.- vesti peça por peça e resolvemos fazer um coque com algumas mechas caindo ao longo de meu rosto. Peguei o cordão de Sam e o estendi a governanta.

- Quem lhe deu essa peça? É bem... peculiar.- pela cara de Mada, o peculiar era, na verdade, estranho.

- Sam. Ele sabe de meu amor pelos eqüinos.- ela assentiu me analisando atentamente pelo espelho do toucador.

- O menino Samuel lhe deu um presente? Uma jóia?- as vezes achava que Storm me entendia melhor que Madalena.

- Sim, foi o que eu lhe disse.

- Tem algo que quer me contar menina Marina? Algo matrimonial?- arregalei os olhos quando enfim entendi o rumo dos pensamentos dela.

- Não, não Mada. Eu e Sam somos apenas amigos.

- Seus pais eram apenas amigos.- ela estreitou os olhos de forma acusatória.

- É totalmente diferente, lhe garanto. Agora me ajude com os sapatos.- depois de certa exitação, ela pegou um salto baixo creme e me entregou. Os calçei e desci em direção a minha família. Cheguei a sala e todos conversavam animadamente. Tia Lisa me viu primeiro e veio à meu encontro.

- Marina! Está belíssima! Soube do seu triunfo. Lamento tanto não ter presenciado...- ela disse com o semblante culpado. Abracei-a.

- Não se preucupe tia Lisa, muitas outras ocasiões vão surgir.- olhei ao redor e acrescentei mais baixo.- Mas você tinha que ver o quão fomos rápidas! Arrasamos como os velhotes.- rimos conspiratórias.

- Imagino. Você e Star treinaram tanto! Ian não se aquieta de tanto contentamento. Desde pequenina vocês tem esse mesmo amor pelos cavalos.- ela olhou pra cima, pensativa.

- O unicórnio está bem confortável em minha cama.- ela riu, franzindo um pouco as sobrancelhas.

- Você o chamava de Pocó.- dei de ombros e rimos ainda mais.- E o baile? Como anda?

- Tudo nos perfeitos acordes! Analu e eu tivemos uma ótima professora.- lhe cutuquei com o braço.

- Ah Nina...- ela me olhou emocionada.

- Vejam as senhoritas cochichando sem escrúpulos.- tio Lucas disse, brincalhão.

- Apenas trocando confidencias, Lucas.- ele revirou os olhos, rindo. Tia Lisa foi se sentar ao seu lado e Alex se dirigiu a mim.

- Querida Marina, estávamos apenas esperando você chegar para irmos à sala de música.- Alexander Clarke Guimarães era algo a ser estudado. Seus cabelos tocavam levemente os ombros e o tom ônix de seus olhos eram idênticos aos meus. Parecia meu pai loiro. A semelhança deixou de ser espantosa ao longo dos anos, mas mesmo assim ainda me pegava olhando curiosamente para meu primo. Apesar de ele ser mais novo que eu, tínhamos uma cabeça de diferença na altura.

- Certo, Analu aprendeu a tocar uma música belíssima.- minha irmã corou e me olhou agradecida.

- Oh! Vamos, toque para nós!- tia Lisa se animou. Fomos até a sala de música e Alex me ofereceu o braço. No caminho percebi a ausência de Sam e o caçula.

- Onde estão seus irmãos?- sussurrei.

- Bart se sujou todo e Sam o levou para casa. Alegamos uma dor de barriga. Se minha mãe souber ela vai ficar...- ele pausou, rindo.- Acho que louca é eufemismo.- ri junto com ele.

- Tia Lisa é sempre tão amável.

- Sim, ela é incrível, mas... Digamos que essa roupa é uma peça única. Compramos na Europa. Imagina o custo.- arregalei os olhos. Bart está realmente encrencado.- Sorte que a senhora Veiga tem um talento em retirar manchas.

- Acho que demos sorte com governantas, então. Madalena salvou meu vestido dia desses.- falei, mas Alex não prestava atenção. Estava olhando para o quadro, posto no corredor, maravilhado. Era um retrato meu e de Analu quando pequenas. Eu deveria ter por volta de três anos ao passo de minha irma ter um ano e pouco. Meus bracinhos rechunchudos a abraçavam e ela sorria sem dentinhos.

- Esplêndido! Seu pai que retratou?

- Sim, como todos que encontrar nessa casa. Quase todos.- falei. Alguns eram meus. Mas guardava esse segredo para mim.

- Ele é um pintor maravilhoso! Espero poder um dia chegar a esse patamar.

- Já pinta maravilhosamente bem, meu primo. Não tenho dúvidas que será um grande artista.

- Fico muito lisonjeado prima, mas o que dirá de você. Nunca vi moça mais cheia de vida!

- Que enxessão de lingüiça.- ouvi alguém murmurar. Graças ao bom Deus, ninguém daquele século conhecia o termo. Olhei para a porta e vi apenas um vulto loiro. Mamãe. Mirei meu primo e ele ainda olhava fascinado para a pintura.

- Vamos entrar, não quero perder a melodia.

- Claro, claro. Não queria lhe ser enfadonho.- ele me conduziu a sala. Sentei-me ao lado de Analu no piano e todos ficaram em silêncio. Ela começou a melodia que mamãe cantava para nós dormimos quando bebês. Acompanhei com as notas mais graves e o doce som se espalhou por toda a casa. De esguelha vi Madalena e Gomes à espreita da porta. Tocamos mais algumas notas e assim que a música cessou, ouvimos palmas.

- Com licença, senhorita Marina, tenho algo pra lhe entregar.- Madalena disse, timidamente. Num instante meu coração retumbou no peito como louco. Havia mais de cinco meses que eu não recebia nada dele. Papai olhou confuso pra mim e Analu em alerta. Só ela sabia. Controlei a expressão.

- Certo, Mada. Vou me retirar por um instante.- fiz uma mesura apressada e me encaminhei a porta.

- Nina, não se atrase pro jantar.- papai disse.

- Claro pai, serei breve.- não ousei olhar para ele. Encontrei a governanta no corredor. Ela me entregou o papel familiar. Quase cai de joelhos ao constatar que era mesmo dele.

- Senhorita Marina, essa não tem remetente, apenas destinatário.- disse aflita.

- Tudo bem Madalena, é apenas um amigo meu.

- Se a senhorita diz.- ela retorceu o avental nas mãos.- O jantar logo será servido, não se demore.

- Palavra de escoteiro.- minha mãe usava esse termo quando prometia algo, achei apropriado usa-lo. Madalena não entendeu bem, pelo visto. Caminhei lentamente para meu quarto, mas assim que dobrei o corredor, disparei a correr. Girei a maçaneta apressada e assim que entrei, passei a chave. Me sentei no toucador e abri o lacre azul tão familiar quanto o canto dos pássaros.

AguardadaOnde histórias criam vida. Descubra agora