Essência

01 | Ajuda

EVELYN

           Não conseguia compreender ainda a minha situação. Não estou totalmente em mim. Há momentos em que me encontro sóbria, de mim própria, noutras embebida pela minha própria negatividade, o que transforma numa pessoa totalmente distinta. Como haviam as coisas descambado desta maneira?

Há cerca de dois meses tinha tudo preparado para a minha viagem de sonho; malas prontas, as fotografias para o concurso, algumas para concorrer à faculdade das artes, e mesmo que estivesse sem falar com os meus pais, eu até me tinha despedido destes, embora a resposta não tivesse sido aquela que eu mais gostava: «Gostaria de dizer que estamos cheios de orgulho de ti, mas a verdade é que tu vais para o outro lado do mundo estudar algo que nós nunca na vida vimos prosseguir com sucesso. Mas, Boa Sorte!» este último desejo cheio de sarcasmo, provindo do meu progenitor. Já a minha mãe, abraçada a ele, não dizia nada, apenas olhava para mim, vendo-me com as malas a deslizarem no chão e abandonar a sua vida, de forma completamente silenciosa.

Amanhecera fazia algum par de horas. Não tenho completa noção das horas se não guiar-me pela posição do sol ou mesmo da lua. Até o meu relógio havia sido furtado naquele dia do aeroporto. Lembro-me de ser abordada por três homens que se vestiam de roupa completamente casual, sem qualquer máscara sobre o seu rosto, e enquanto combatia o roubo da minha mala com todas as minhas roupas, um soco fora deixado sobre o meu rosto e senti os meus sentidos serem um pouco distorcidos; a minha visão fora-me dificultada e enquanto continuava a receber violência de um dos assaltantes, vi que levaram todos os meus pertences, até ao mínimo detalhe dos anéis comprados num loja de acessórios, que não tinham o mínimo valor monetário que viesse a justificar o seu roubo.

A rua onde me encontrava no dia de hoje era totalmente diferente daquelas onde outrora me tivera encontrado. O movimento era mínimo, os prédios à minha volta com algum luxo. O meu corpo repousava contra uma parede de uma pequena mercearia, onde também poucas pessoas se encontravam. Embrulhei mais o cobertor velho contra as minhas pernas, tentando combater o frio; o tecido reconfortante fora-me oferecido por uma senhora, na sua idade dos quarenta anos, que tanto passara por mim e me vira com roupas veranis naquela altura do ano. Fora isso, ia-me alimentando com os poucos dólares que eram deixados ao meu lado; como se de mim se tratasse um animal que precisava ser alimentado.

O pensamento de permanecer nesta situação o resto dos meus dias deixa-me com algumas lágrimas nos olhos. Dói tanto ver o que já fui, e no que me tornara; eu era apenas uma rapariga que tentou perseguir o seu sonho, sonho esse que lhe foi roubado, de todas as maneiras possíveis. Com a manga do meu casaco, passei-a sobre as olheiras debaixo dos meus olhos, limpando as gotas que deslizavam com alguma velocidade sobre a minha face. Os soluços a impedirem-me de respirar direito, o meu nariz tapado pelo congestionamento causado pelo frio de inverno nova iorquino.

Parei-me a mim mesma de ser denunciada quando vi um homem, com um fato formal negro, na minha direção. Baixei o meu olhar, tentando que não olhassem de forma direta para mim, e a desgraça em que me encontrava. O som dos sapatos a embaterem contra o chão indicava que ele passara mesmo ao meu lado. Mantive a minha posição, enrolada que nem um feto no útero da sua mãe.

– Menina? – ouvi, mas fingi que para mim não se tratava. – Desculpa – senti um toque leve sobre o meu ombro, o que me levou a encarar a pessoa que ali se encontra diante de mim. – Já à alguns dias que tenho passado por si – fala de forma bastante educada. Encolhi-me mais um pouco sobre a parede, tapando o meu cabelo oleoso e imundo por debaixo do gorro do casaco negro. – Trouxe-lhe isto – ele entrega-me uma tigela com sopa quente, bem como um recipiente com comida lá dentro. Os meus olhos brilharam, bem como o meu estômago parecia dançar de alegria.