03 | Ser

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EVELYN

           O vento tornava-se, a cada minuto que passava, mais forte. Pequenos fios de cabelo sobrevoavam a minha frente, impedindo-me de ver corretamente o que se passava. O silêncio já se havia apoderado da conversa à longos minutos.

O céu estava a escurecer, pouco a pouco, e sol, ao qual assisti nascer esta manhã, escondeu-se por entre as nuvens. Sabia que iria chover muito em breve, e a minha mente planeava uma estratégia para onde poderia ir, caso a chuva caísse torrencialmente. Uma das desvantagens desta enorme cidade que é Nova Iorque é o seu tempo chuvoso e frio no Inverno, tal como em qualquer outro continente ou país do hemisfério sul no mês de dezembro.

Vi um pequeno vulto formar-se, e em poucos segundos, Noah levantava-se da sua posição, adquirida à algumas horas atrás. Soltou um longo suspiro e levou os dedos da sua mão ao cabelo, compondo-o. Os seus sapatos embateram no solo, denunciando a sua partida, à medida que se afastava de mim. Os meus olhos marejaram ao olhar à minha volta e perceber que estava novamente sozinha, e que teria de me dirigir a outra rua, que não esta, para poder dormitar sem ser expulsa de lá.

A maior parte da população mundial, quando vê pessoas sem abrigo, deduz que estão ali porque o desejam, ou merecem; outra pensa que estão a ser ajudados pelo governo e apenas a fingir a sua pobreza, para não dar nas vistas. Porém, em todo o meu percurso nesta cidade, apenas encarei duas pessoas que me ajudaram com os pequenos gestos. Amanda, uma senhora de idade, que me ofereceu as refeições sempre que me via perto da sua rua; Emma fora quem me ofereceu uma manta para que pudesse cobrir o meu corpo do frio invernal. Todos os outros lugares pelos quais passei, fui expulsa, e esta zona, rodeada de prédios de luxo e apartamentos complementares, não seria exceção.

Conhecer a história de Noah, permanecer algum contacto com ele, fez-me perceber que ainda há humanos que reparam noutros em situações não tão favorecidas quanto as deles; fez-me voltar a acreditar na raça humana. Mas por pouco tempo, pois nunca mais o voltaria a rever. Preparava-me de forma mental, e física, para o confronto de alguém para comigo e as tão horríveis palavras serem atiradas para mim; – Vagabunda, vai trabalhar! Aqui não é lugar para pessoas como você –

Quando me acostumei ao solo frio, coloquei um dos cobertores sobre o solo, e deitei-me, de forma bastante cuidada neste, tapando o que restava com a minha mais recente ajuda. Passaram poucas horas desde o almoço, mas o meu estômago preparava-se para rugir e pedir mais comida.

Queria poder agradecer a quem fez tudo por mim, e mesmo que me tenham abandonado, sinto-me grata pelo que fizeram por mim, apesar dos trabalhos que dei durante os meus dezanove anos. E, apesar de não saber qual o meu destino, pressinto que não seja algo bom. A minha garganta já vem doendo à alguns dias, e a minha cabeça não foge à tradição de uma valente gripe, os meus pulmões, infetados pelo meu antigo vício, já não são o que eram antes; este frio estava a matar-me lentamente.

A tosse tomou conta do meu corpo assim, que este encontrava o chão de cimento. Inevitavelmente, os meus olhos encheram-se de lágrimas; o vento a forçar-me a isso. Voltei à minha posição inicial. Desde toda a minha existência, nunca me recordo de ter ficado de tal maneira doente, e quando ficava, era imediatamente medicada, mas eu não tinha como conseguir aceder a eles agora.

– Eve – ouço, perto de mim. Apanho o meu cabelo numa só mão, tapando a minha boca com a outra. – Estás bem? – assenti, mesmo sabendo que ele não acreditaria em mim. – Tu estás doente – diz, baixando-se ao meu nível.

– Afasta-te – eu disse, não querendo que ele também ficasse doente.

– Não – ele contraria-me. Vejo uma das suas mãos dirigir-se ao meu rosto, e ele coloca-a sobre a minha testa. – Tens indícios de febre – eu nego.

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