16| Despedaçado

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NOAH

Janeiro chegara. O frio do lado de fora de casa fazia-se sentir aqui dentro à medida que os meus pés avançavam em direção ao armário onde possuía todos os fatos de cerimónia. Escolhi a camisa que melhor me favorecia naquele momento, envolvendo-a depois com o casaco e as respetivas calças do fato.

Ouvia pequenos passos serem dados sobre o chão de madeira, e sabia exatamente de quem se tratava. Desde a hora de almoço que ela se encontrava neste alvoroço, preocupada em dar a sua melhor impressão a todos os novos e antigos funcionários da empresa. Afinal, ela agora era, também, uma detentora das ações e mulher do chefe; denominando assim comumente o meu cargo. Na realidade, eu apenas geria, no último piso, o trabalho de todos os departamentos de negócios. Evelyn mostrou-se bastante acessível no que tocou a este assunto, pelo que tratou de escolher um vestido e sapatos bem simples; tal como ela.

Sei que, com o passar de todas estas datas festivas, a rapariga com cabelos platinados tem-se sentido mais em baixo do que o normal, e eu espero que este evento a anime mais um pouco. O Natal e passagem de ano foram dos momentos mais difíceis que a vi trespassar, desde que a conheci em novembro. Sentada à mesa com os pais e alguns familiares próximos, ela permanecia cabisbaixa o tempo todo, respondendo apenas ao essencial. Na contagem para o ano novo, ela apenas encarou a bebida na sua mão, e num ato repentino, bebeu-a, continuando assim a noite, até atingir o seu estado limite e adormecer ao meu colo. Depois de todas as repreensões vindas da sua parte, jurei pensar que aquilo se tratava de um ato de revolta, pois não era característico dela.

Consegui sentir passos aproximarem-se cada vez mais da divisão. Evelyn entrou no momento de seguida, com os seus olhos brilhantes e os sapatos altos na sua mão. Ao vê-la segurar o tecido contra si apercebi-me de imediato que a postura do fecho do vestido não a deixara sequer esconder o fim da sua coluna.

– Obrigada – ela agradeceu com as suas bochechas coradas.

– Não tens de agradecer. Estás linda, Eve – ela alisou o vestido, calçando em seguida os seus sapatos. – Pelo que sei, a noite não vai durar muito. Um par de horas para a devida apresentação e o meu discurso e logo estaremos em casa – informo, e esta assente, não apresentando quaisquer objeções.

Por vezes, o facto de ela não se impor preocupa-me. No seu rosto, vejo mil e um medos; insegurança. Os seus olhos estão mais visíveis, devido ao delineador preto que pela sua pálpebra. As suas pestanas destacam o azul marinho presente neles. Os seus lábios estão rosados, e eu só consigo lembrar-me da primeira vez que toquei neles; algo que nunca irei retirar da minha mente. Apercebo-me, então, que estou a olhar fixamente para Evelyn quando ela desvia o seu olhar.

– Não te preocupes com o que possam dizer, sim? Naquele sítio irás encontrar muita gente boa, mas também repugnante e que implicam até com o fio de cabelo fora de sítio. Vai por mim, eu conheço demasiado bem este mundo. No que tocar a mim, tudo irá correr bem e vamos sair ainda mais felizes de lá – admito e a rapariga volta a acenar com a sua cabeça afirmativamente.

– A Nora e o Michael vão estar lá? – tímida, ela pergunta.

– Sim. – ela parece ficar mais descansada.

E assim, em meros minutos saíamos de casa, dirigindo-nos até ao edifício onde estava uma enorme algazarra na organização. Como era suposto, chegáramos antes das portas serem abertas aos convidados do evento. As passadeiras ainda estavam a ser colocadas, bem como os aperitivos sobre as mesas onde iríamos jantar.

Esperámos cerca de meia hora, sentados no sofá daquele que iria ser, a partir de amanhã, o meu novo escritório, que já pertencera aos meus pais. É um enorme passo a ser dado. Até à um mês atrás não sabia da existência deste testamento, e provavelmente só o iria saber através do advogado do meu avô, quando este dia chegasse. Aí, não teria como ter casado e não poderia, jamais, tomar posse de tal cargo na empresa.

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