15 | Vai

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EVELYN

Ao som de breves piares de pássaros, os meus olhos abriram lentamente. O meu dedo indicador deslizou pelo ecrã do telemóvel, que me indicou serem as sete horas da manhã. Demorei um pouco a situar-me no local onde me encontrava, pelo que a paisagem lá fora me ajudou. Já se ouviam movimentos no soalho de madeira, passos, creio.

Hoje, será apenas mais um dia em que ocorrem mudanças na minha vida. A rotina poderia ser monótona, como sempre fora, mas todos os dias novas coisas surgiam e eu tinha de me adaptar a elas. Num dia fresco e bem invernal, eu acabo por finalmente deixar o quente dos cobertores e deslizar pelo quarto, em busca de uma roupa que me possa aquecer durante o dia.

Os meus pés no chão de madeira denunciam os movimentos, ao mesmo tempo que, ao som da água a correr pelo lavatório, ouço o som de tachos e frigideiras, e leves suspiros de frustração vindos do andar de baixo. Após me preparar devidamente, encara a pequena mala disposta na cadeira de escritório disposta no quarto, bem como uma pequena agenda na secretária.

Enquanto caminho para ir ao encontro de Noah, as aplicações e notificações no meu telemóvel emitem sons, captando a minha atenção. Verifico que algumas se tratam da operadora, e outras de números totalmente desconhecidos; ignoro.

Quando encaro com a divisão, o que observo não é de todo o que eu desejava ver. Noah encontra-se, já pela manhã, com um cigarro preso entre os seus lábios enquanto parece aborrecido a partir os ovos para uma taça de vidro. O seu tronco está descoberto, e as suas calças descaem na sua cintura; o meu olhar desvia-se de forma quase automática, dando atenção ao mármore de que era feito o grande balcão da sua cozinha.

– Olá – digo, num murmúrio lento, à medida que me sento sobre um dos bancos.

– Bom dia, Eve – no seu rosto sério surge um sorriso ao olhar diretamente para mim e deixar as suas tarefas de lado. – Ainda bem que estás aqui. – ele começa a remexer os ovos na taça. – Hoje é o teu primeiro dia de aulas, certo? – assenti. – Como passo pelo instituto no meu caminho até à empresa, posso deixar-te lá – olhei confusa. Ia agora mesmo dizer-lhe que já sabia os horários dos autocarros que deveria apanhar para ir e vir, todos os dias. – Outro assunto; faz uns dias que recebi aqui em casa uma carta do tribunal a notificar-te para o depoimento. Eu tomei a liberdade de falar com os meus advogados, e como tu eras uma testemunha secundária, não é necessário apresentares-te em tribunal, até porque é perigoso para ti, pelo que eles vêm aqui a casa tomar algumas anotações e o teu depoimento será presente em tribunal; assim, não corres o risco de eles saberem onde estás neste momento ou com quem estás. – Noah informa-me de forma bastante sucinta, mas também rápida, o que me deixa ainda mais confusa.

– Noah – reparo no seu nervosismo, quando morde o cigarro e se queima com a distração. – Podes dizer-me o que se passa? – questiono-o, colocando as minhas mãos sobre os seus pulsos para o fazer parar.

– Nada – sorri de lado e tenta continuar a tarefa anterior.

– Noah – digo, entre dentes, enquanto observo os seus olhos avelã.

– Faltam duas semanas para cumprir vinte e quatro anos, e poder exercer finalmente as funções de chefe de todos os chefes dos departamentos; e isso assusta-me – ele finalmente desabafa o que o tem atormentado este tempo todo. Desde o dia em que saíramos daquele avião que nos transportou para Holanda que ele se tem mostrado ansioso.

– Mas isso é ótimo, Noah! – tento animá-lo, falhando por completo.

– Todos andam a cair em cima de mim, literalmente. Querem ser promovidos e fazem-me todos os favores. As secretárias de cada departamento que, friso aqui, nunca ligaram nenhuma para a minha presença, nunca me largam, sempre a avisar das reuniões e competem entre si para saberem qual a melhor organizadora de listagens. Os contabilistas, segundo rumores que se ouvem, estão a querer lutar uns contra os outros para saberem qual deles apresenta o melhor e mais belo trabalho ao final do mês. Anda tudo uma confusão e o meu pai olha-me com bastante pena. – ele termina, transformando as gargalhadas irónicas em suspiros arrancados do fundo do seu peito. – Eu não consigo assumir tal cargo... –

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