Capítulo 3 - Jogo Duplo

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Era quase onze da noite quando ouvi a campainha tocar.

Fui atender e Julie estava à minha espera.

— Thomas, precisamos conversar sobre o cinema.

— Estou ouvindo. — Eu disse cruzando os braços.

— Sabe, eu... — Ela coçou a cabeça... —Eu, talvez tenha... Sabe... Exagerado nas provocações lá. Eu sei que você ficou irritado, e queria, sabe... desculpar-me.

Era bem difícil ficar sério. Ela estava cheia de tiques nervosos. Tipo torcendo as mãos, umedecendo os lábios frequentemente... e ela praticamente não piscava. Era bizarro e muito engraçado. Dava para ver que ela estava fazendo um esforço sobre-humano para engolir o orgulho e me dizer isso. Não sei o que Heather disse, mas ela fez um trabalho soberbo. Deve ser uma maga poderosa. Ou deve ter usado água gelada. Não. Só pode ter sido água benta.

Nesse caso estou surpreso por não ter marca de queimaduras no rosto de Julie.

— Relaxa, Julie. — Eu disse com um sorriso frouxo nos lábios. — Eu aceito suas desculpas. E também peço desculpas por ter colocado minha saliva nos seus lábios.

Ela ficou horrorizada quando falei isso.

— Por favor, não me lembre que isso aconteceu. Estou... Apenas tentando não pensar nisso. — Ela disse com uma expressão de horror. — Eu aceito suas desculpas. Eu admito que quero pedir que você me compense por isso. Mas, eu entendo que... a culpa é minha e eu não... vou pedir compensação.

Minha língua coçava. Eu tinha que compensar ela por algo? Depois de tudo que esse demônio fez?

Entretanto apenas concordei com ela. Melhor deixar isso para lá.

— Vamos deixar isso para trás. Qual nosso próximo passo?

— Hã... ainda não formulei bem o que fazer. Talvez não devêssemos provocar um ao outro na frente de outras pessoas... Pode acabar mal eventualmente...

Um minuto de silêncio. Julie não continuou sua linha de raciocínio, apenas olhava para o vazio, perdida no seu próprio pensamento.

— Julie?

— Hum? — Ela disse de sobressalto.

— O que te preocupa tanto?

— Nada. — Ela respondeu rápido.

Rápido demais.

— Julie, o que aconteceu? — Eu insisti.

— Sério, não é nada. — Ela insistiu.

Essa garota acha mesmo que consegue me enganar. Tudo nela grita: Estou mentindo!

— Julie, não minta para mim. — Eu disse com um suspiro resignado. — A essa altura você deveria saber que nem eu nem você conseguimos manter segredos um do outro, mesmo que seja os mais sujos e constrangedores. Seus segredos estão a salvo comigo. —Eu coloquei a mão no seu ombro.

O que eu não falei foi que, ao contrário dela, os segredos que eu sabia dela eu não espalhava aos sete ventos.

Ela me encarou, seu rosto passando por uma brutal mudança, de composta a deseperada, e enterrou o rosto em meu ombro enquanto explodia numa crise violenta de choro.

— Mas o que diabos... — Eu exclamei mentalmente junto com meus goblins e gnomos.

Por um instante fiquei paralisado e sem ação diante à estranha situação. Faz muito tempo que eu conheço Julie. Mas eu nunca vi essa garota chorando. Fazer outras pessoas chorarem (inclusive eu e a guarda nacional), sim.

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