PARTE 1 / CAPÍTULO 4: UM VELHO AMIGO

381 44 573
                                    


Quando recuperou a consciência, Leina teve dificuldade para levantar as pálpebras. Uma forte luz a ofuscava. Aos poucos, seus olhos foram entrando em foco e pôde distinguir os contornos do imenso salão em que se encontrava. Era absurdamente espaçoso, iluminado por grandes holofotes espalhados pelo teto. Haviam retirado seu capacete, parte dos seus cabelos lhe caía pela face. As madeixas onduladas da atheres se punham à sua frente, dificultando ainda mais a visão já embaçada.

À sua frente estava uma grande porta dupla, coroada por um igualmente enorme vitral. A fraca luz externa entrava por ele, derramando tons caleidoscópicos por toda a extensão do ambiente. Ela logo reconheceu a entrada de Ael Maghat. Encontrava–se agora no lado de dentro do prédio.

Tentou levantar, e qual não foi o seu espanto quando notou que já estava em pé. Sob seus pés estava um batente, uma espécie de palanque metálico e, abaixo deste, o piso de mármore. Tentou mover os braços e não obteve resposta, estavam estendidos em direções opostas, um pouco acima da linha de seu ombro. Seus joelhos estavam rígidos, erguendo o corpo dormente. Aparelhos lhe continham os pulsos e tornozelos, emanando uma fosforescência sinistra.

"Debilitadores... Estou presa!"

Lutou por algum tempo até se dar conta de que não iria a lugar algum. Passou então a avaliar o cenário e procurar por sinais de seus captores.

A visão embaçada logo se fez nítida o suficiente para que enxergasse certos detalhes do ambiente. À sua direita e esquerda se erguiam dois grandes pilares. Metálicas e aparentemente maciças, as peças destoavam do resto do salão. Os olhos da atheres demoraram em sua avaliação até que perceberam um corpo estranho próximo a uma de suas bases. Parcialmente escondida do seu campo de visão, estava uma figura humana.

Apertou os olhos, tentando enxergar o semblante que entrava e saía de foco. À medida que seus olhos se acostumavam ao excesso de luz, iam revelando a imagem de um jovem que a observava sem interesse.

Não devia ter mais de dezenove anos. Era um garoto magro, com cabelos castanhos que lhe caíam pela testa. Tinha um aspecto abatido e triste, mas se passaria por um menino qualquer de sua idade se não fossem as peculiares marcas que carregava. Profundas e abundantes cicatrizes tomavam a metade esquerda de sua face, pontuadas por uma discreta iluminação branca na pupila: um olho biônico. O próprio braço esquerdo era também uma prótese, seu brilho e textura artificial se destacavam sob o uniforme do garoto mirrado.

Leina o conhecia, era bem familiarizada com a visão daquele adolescente melancólico. Seu semblante invariavelmente fazia seu estômago revirar e desta vez não foi diferente. Franziu as sobrancelhas, um pensamento estranho a ocorreu. O menino estava muito ligado a outra figura familiar que simplesmente não poderia estar ali.

– Dercim? É você mesmo?

Ele nada respondeu. Permaneceu parado, fitando-a com seu rosto dilacerado. Leina teve um leve estremecimento, olhar para ele lhe era muito desconfortável.

– Não veio aqui sozinho, veio? Onde está Reiwan?

Ele teve um sobressalto, como que se esperasse por esta pergunta. Virou-se para um ponto além do campo visual de Leina, fez um aceno com a cabeça e se retirou. A atheres logo ouviu os passos de alguém que se aproximava. Ecoavam claramente pelo salão, ritmados, sem precipitação ou pressa; cada um impecavelmente cronometrado após o outro. Após alguns momentos de suspense, o viu chegar.

Ele era alto agora. Mesmo estando num nível acima em relação ao solo, a atheres conseguia visualizar seu rosto sem precisar dobrar o pescoço. Muito diferente do garoto frágil e raquítico que conhecera há muitos anos. Ele usava partes incompletas da shen-bulgard, Leina reconheceu nelas os padrões do 3º Corpo: o emblema que todos usavam no peito e a luz escura que fluía sobre os sulcos da armadura, contrastando com o branco da sua própria.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora