PARTE 3 / CAPÍTULO 12: ESTRELA INDÔMITA

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Se o cômodo estava silencioso antes, agora se podia cortar a tensão que pairava no ar com uma faca afiada o suficiente. Katia, Alexandre, Andrei, os aldeões e mercenários, todos passaram a encarar Ion com a mesma expressão de espanto e confusão, como se alguém tivesse acabado de irromper em chamas na frente deles. Até mesmo o próprio Mihai esqueceu por um segundo que redigia o documento, congelando, boquiaberto, enquanto a tinta pingava de sua pena sobre o pergaminho.

– B-bem, isso facilita muita coisa – declarou, limpando os respingos com um pedaço de algodão. – A partir de hoje, a herança de Altorrio seguirá a linha dinástica de Henrik Dragoi, e a pretensão do senhor Martinescu se mostra válida, conferindo a ele poder sobre o castelo, Rosufort, Forte Dragoi, Anghila, Nentidava e todos os demais assentamentos nas províncias gêmeas.

– Some a isso o castelo de Razguvda e seus vassalos, o ducado de Hoelle, o baronato de Apelalva e... tudo o mais que for meu, seja lá o que for – exclamou Katia.

Pelos olhares que ela recebeu de seu pai e irmão, ela poderia muito bem ter acabado de condená-los à morte.

– M-mas Katia – protestou Andrei, pondo-se em pé. – Você estará me privando de meus direitos. Se nosso pai será destronado, as regras de herança dizem que...

– Aí é que você se engana, maninho – Mihai não a julgara o tipo de mulher capaz de esticar um sorriso maléfico, mas aí estava. Aparentemente, Katia tornava-se uma outra pessoa quando queria ser cruel. – Você realmente achou que sairia disso impune? Os seus títulos se foram no instante em que perdeu a guerra, eles são meus agora.

– Mesmo assim, Razguvda pertence aos Irgalmas, você não pode simplesmente...

– Eu posso, porque estarei me vassalizando a Ion – ela gargalhou quando Alexandre também se ergueu de seu assento, berrando. Dois mercenários se encarregaram de segurá-lo para que ele não subisse na mesa. – E sabe o que mais? Eu me casarei com ele, pai. Uniremo-nos em santo matrimônio, e ele plantará a sua semente de camponês na nossa dinastia, o que acha disso?

– VOCÊ NÃO É A MINHA FILHA!! – o antigo lorde de Razguvda gritou e esperneou enquanto era expulso da sala pelos membros da Confraria, e continuou gritando até já estar bem longe, às portas da sua cela no calabouço de Altorrio. – EU A DESPOJO DE SEUS DIREITOS DE HERANÇA! VOCÊ É UMA BASTARDA E UMA TRAIDORA! NÃO POSSUI QUALQUER DIREITO SOBRE O MEU CASTELO! ESSE TRATADO É UMA FARSA, VOCÊ É UMA USURPADORA! USURPADORA!!

– Irmã, por favor – implorou Andrei, enquanto era arrastado junto a seu pai. – Tem compaixão. Você sempre foi a única que me tratou bem, eu te amava, por favor. Não faça isso conosco.

Katia lhe lançou um olhar frio.

– Era eu quem te amava, Andrei, mas você nunca amou alguém além de si mesmo. Por toda a sua vida achou que amava o nosso pai, mas isso foi outra mentira, você não o amava, você o admirava. Ele fazia com os outros o que nossa mãe sempre lhe dizia que era errado, mas que, no fundo, você desejava fazer acima de tudo. Você desapontou a ela e a mim, mas agora eu sei que é incapaz de amar, é um sentimento profundo demais pra você, algo que nunca será capaz de compreender – ela sinalizou para os mercenários seguirem em frente. – Tirem esse plebeu da minha frente, por favor.

Quando Alexandre e seu filho deixaram o cômodo, Grigore foi o único antagonista que permaneceu para escutar o resumo de todas as terras que passariam ao controle dos Dragoi e, por tabela, de Ion. A lista se mostrou tão extensa que os primeiros raios de sol invadiam a sala de reuniões no momento em que o abade acrescentava os detalhes finais do documento, com um selo em cera quente e a assinatura a pena de Grigore, Ion e Katia. E estava feito.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora