PARTE 3 / CAPÍTULO 3: ENCONTRANDO O CAMINHO

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– Não, eu não vi o corpo dele – falou Valentin, servindo a Ion uma tigela de ensopado e uma fatia de pão. – Eu fui ao funeral, mas eles não abriram o caixão.

– Você... fez o discurso? Foi bonito? Tinha muita gente lá?

– Umas vinte pessoas, foi tão bonito quanto poderia ser. Eu quis fazer um discurso, mas não pude. O sacristão pediu para mantermos a cerimônia simples.

Ion achou que já tinha chorado o que tinha direito, mas, mesmo assim, seus olhos teimavam em se encher de água. Ele limpou o nariz com a manga de sua camisa, bebericou um pouco do ensopado e pôs-se a observar os mercenários prepararem alguns cavalos que haviam capturado em batalha. Sentavam em torno de um fogo baixo, ele, Valentin e Victor. Nicoleta estava com eles até há pouco, mas havia se retirado quando começaram a falar sobre Petru.

– Quem mais morreu?

– Eu vi Lucien cair quando corríamos para a abadia, eu o reconheci entre os corpos que enterramos hoje de manhã, mas o outro Calvamani, Zamfir, sobreviveu. Adam está morto. Mari, Grazie, o velho Fideas, mortos também. Merediah levou um corte no lado e estava bem mal, mas Demetério disse que ele vai viver.

– E Henri? Alguma notícia dele?

– Eu o vi – falou Victor, pesaroso. Ele tinha entre os lábios grossos um osso de galinha que passava distraidamente de um lado a outro da boca. – A Companhia de Ibrahim o levou. Eles amarraram suas mãos e o jogaram numa sela.

– Ferreiros são raros nessa região, eles não o matariam sem motivo – concordou Valentin, cuspindo no fogo. As chamas crepitaram, oscilantes, por um momento. – Pelo menos não que nem a gente, que nem um bando de ovelhas.

– Eu sabia que isso ia acontecer – Ion levou as mãos à cabeça, pensando na última palavra que teria dito para essas pessoas.

Havia brigado com os Calvamani por causa do carregamento, e a última vez que havia visto Adam e Fideas havia sido na noite em que retornara da última viagem, no banquete em que ele e o irmão haviam preparado. Não lembrava se teria conversado com eles ou não. Talvez tenham trocado uma ou duas palavras bêbadas, mas apenas isso.

– Eu sabia que a vila seria atacada, eu... Não fui rápido o suficiente, se eu tivesse puxado o cavalo...

– Ele teria morrido e vocês viriam andando – Valentin tinha os olhos pesados e a voz babosa. Certamente não dormia há um tempo, mas seu rosto denunciava algo mais do simples cansaço físico. – E eu já te vi correr, não é mais rápido do que um cavalo. Nossa, não é mais rápido nem do que o Victor, e isso é dizer algo.

– Ei, o que isso quer dizer!? – protestou Victor, pondo-se de pé com um salto. Ele cuspiu o osso de galinha e cruzou os braços, irritado. – O meu peso não me faz lento, aposto que te venço a qualquer distância!

– Ah, cale-se – suplicou o amigo, abanando os braços com enfado. – Não tenho ânimo pra essas suas coisas agora.

"Muito menos eu." – pensou Ion, levantando-se e batendo a poeira de sua calça.

– Desculpe, amigos. Acho que preciso de um tempo longe disso tudo, nos falamos pela manhã.

Deixou Valentin e Victor para trás, dirigindo-se a um dos lados opostos do acampamento improvisado, onde Barna discutia algo com um grupo de mercenários locais e Katia sentava sozinha, bebericando um pouco de chá e envolta em um grosso cobertor de pele de cabra. Trazia no rosto uma expressão sisuda e carregada e, ao vê-lo, sinalizou para que sentasse ao seu lado.

Ion se aproximou e ela pousou a cabeça em seu ombro. Por um segundo, aquele ato acalmou todo o turbilhão de emoções negativas que atormentava o viajante naquele momento.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora