PARTE 3 / CAPÍTULO 13: A FLOR DE DÓRDOLO

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Nicoleta os aguardou a noite inteira. A uma dada hora da madrugada, o tilintar de aço se esvaneceu, os gritos de morte se calaram e os fugitivos haviam deixado o seu domínio para sempre, abandonando Altorrio a um silêncio fúnebre e ao tipo de paz que reina apenas em cemitérios: fria, sepulcral e pesada. Ainda assim, ela não se moveu de seu local, sentada sobre uma saliência rochosa com vistas para a cidadela, com as mãos sobre os joelhos e olhos fixos nos portões metálicos, aguardando alguém, algum sinal de que eles não houvessem morrido.

Os primeiros dedos luminosos do nascer do sol despontavam por sobre o horizonte, acariciando os telhados nevados de Rosufort, quando os viu sair. A marcha da Confraria parecia ter durado cem anos quando finalmente se puseram a uma distância curta o bastante para a garota ter um vislumbre de seus sorrisos carregados de glória. Gilliam abriu os braços, e Nicoleta se jogou sobre o seu tórax musculoso, gargalhando como uma menininha.

– Cristo, por que demoraram tanto!?

– Tivemos alguns problemas – o mercenário acenou para alguns de seus companheiros e apontou para um espaço aberto em frente ao estábulo. – Tudo vai ficar bem agora. Olha só, eu trouxe algo pra você.

Ele desamarrou de sua cintura um pequeno saco de couro gasto e o pôs gentilmente sobre suas mãos, fechando seus dedos sobre a superfície áspera.

– Me falaram pra te entregar pessoalmente, deve ser importante.

Nicoleta sentiu o peso do que quer que estivesse em seu interior, então soltou as amarras e alcançou o conteúdo com os dedos da mão esquerda. Dentro da bolsa encontrou uma bonita peça prateada e coberta de pedras coloridas, junta de um pedaço de papel dobrado. As letras da carta haviam sido escritas com pressa e pouco cuidado, tal como se o seu autor já tivesse dominado a escrita um dia, mas perdera um pouco da prática após muito tempo sem usá-la:



À minha mais querida amiga,

Nicoleta, peço que me perdoe, pois não poderei me despedir de você neste momento tão crucial. Me disseram que agora você está livre, que irá viajar, da forma que você sempre quis. Achei que quando isso acontecesse, estaríamos juntos, nós três, velejando sobre o Mar Oriental, visitando reinos distantes em uma aventura diferente a cada dia, mas a vida nem sempre nos premia com a recompensa que aguardávamos. Eu me via um mercador, e me encontrei um nobre, você se via uma criada, e agora se encontrou em uma companhia itinerante. Caminhos distintos não significam, no entanto, que devemos nos tornar estranhos. Até hoje, era você quem nos esperava em Anghila, sempre no aguardo de dois mascates maltrapilhos, rezando para que aquela fosse a última vez que era deixada para trás. Pois bem, agora sou eu quem irá ficar para trás, e, da mesma maneira, estarei aguardando o seu retorno. Vá, viaje, siga caminhos que nem mesmo eu cheguei a trilhar, e depois volte para me contar tudo.

Diga para os homens seguirem a estrada sul após passarem por Tirgoviste até chegar a Sredets. Lá, procurem por um comerciante de Sung chamado Chang Pi. É possível que ele não esteja na cidade, mas aguardem até duas semanas e ele deverá aparecer. Ofereça-o esta peça que eu lhe entreguei e escute a sua oferta. Não aceite o primeiro valor que ele citar, dobre-o. Ouça a segunda oferta, o valor desse objeto deverá ser igual ao número que ele mencionar mais a metade dele, então seja firme e confiante, e não deixe que os mercenários aceitem um número mais baixo, eles são ávidos e têm a visão curta. Cuide dessa peça com carinho, pois foi tudo o que restou de Petru. O ouro que conseguir nessa viagem será o fruto de tudo o que ele fez por você nos últimos anos. Ele não viveu para te ver livre, mas sei que tudo o que ele queria era te fazer feliz, então honre o seu nome e faça o que não conseguiu fazer desde que fomos embora. Seja feliz.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora