PARTE 2 / CAPÍTULO 3: O PLANO DOS IRMÃOS MARTINESCU

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Ainda atordoado com o acontecido na abadia, Ion quase se surpreendeu ao deparar-se com a luxuosa carruagem à frente de sua cabana. O escudo da dinastia de Dimitrier flamulava ao vento gelado, um dos dois imensos cavalos que guiavam o veículo deixou de lado o seu capim por um instante para vê-lo passar, cauteloso. Ion se posicionou ao lado da porta e aprumou a audição, ouvia duas vozes vindas do interior. Procurou identificar o timbre; uma era do seu irmão, a outra...

"Só um cobrador? E eu achando que ia ser difícil."

Um sorriso de expectativa brotou em seus lábios. Tentou tornar os trapos sujos de lama que vestia os mais apresentáveis que podia, passou a mão no cabelo rapidamente, esticou o seu sorriso mais confiante e entrou em casa.

- 'Tarde! - anunciou ele sua chegada, logo após adentrar o cômodo.

Três rostos se viraram para ele. O seu irmão sentava numa mesa no meio da sala e o cobrador escrevia num rolo de pergaminho em pé, próximo a ele. Havia ainda um terceiro homem, desconhecido, que permanecera calado o tempo em que Ion esperara do lado de fora. Este apoiava-se contra a parede de pedra e trajava um conjunto de batalha simples, tinha feições ferozes e apertou o punho na bainha da espada ao ouvir o viajante.

Um cobrador e um guarda-costas, Ion precisou de um instante para digerir a situação. Era menos do que esperavam, porém mais do que o suficiente para acuá-los caso algo desse errado.

"Ele poderia mandar nos cortar a mão, se soubesse o que estamos planejando fazer."

O cobrador vestia um brilhoso manto verde-esmeralda, calças bufantes e um turbante no qual levava preso um penacho longo e azul. Ion impressionava-se com tal pompa, sempre sonhara em uma dia ostentar uma roupa semelhante e ofuscar os demais aldeões com o brilho de suas roupas finas. Olhou para si e os panos velhos que trajava, foi mais uma pisada em seu orgulho já ferido. Ao vê-lo, o homem da corte contraiu as narinas e o avaliou assim como uma pessoa comum avalia algo que escorre sob a sola de seu sapato.

- Valde praeclarus, plebeu, aguardávamos tua chegada. Senta-te!

Ion fez uma reverência e juntou-se a Petru na mesa. Ele tinha uma expressão séria, mas relaxada. Piscou e sorriu de lado, inspirando confiança ao irmão. O cobrador esticou suas anotações, com ar enfadonho:

- Em nome do grande e nobilíssimo Stefan Dragoi Dimitrier al II, nosso senhor, filho de Stefan Dragoi Irgalmas Dimitrier al I, príncipe herdeiro das províncias gêmeas e senhor das terras a sul do Siret, declaro confiscada a metade de tuas riquezas obtidas em terras estrangeiras como imposto válido e legítimo. A mesma equivalente a... - e interrompeu um instante, dirigindo a Petru um olhar de desagrado e repulsa. - uma besta e meia, junto de seu carregamento.

O nobre esticou um sorriso amarelo e soltou uma risada sarcástica, dobrando-se à mesa e encarando os irmãos, passando lentamente os olhos por suas expressões impassíveis. Não encontrando hesitação, bateu a mão com fúria na superfície de pedra:

- Deveis me tomar por idiota, plebeus! - gritou, sinalizando para que o mercenário se aproximasse. - Passastes um mês fora e só conseguistes encher malditas três bestas!?

- Não sei do que está falando, meu senhor - começou Petru, não se deixando intimidar. - Nunca trouxemos mais do que cinco mulas das terras vizinhas, aconteceu de ter sido uma má viagem.

- Má viagem... - repetiu o cobrador, num tom zombeteiro. - Sabes o que milorde mandará fazer a ti se eu voltar ao castelo com uma mísera besta manca? Podes dar adeus a esse teu chiqueiro imundo! E se porventura chegarmos a isso virei pessoalmente para vê-lo queimar, estás me entendendo?

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora