PARTE 3 / CAPÍTULO 1: RUÍNAS DE GUERRA

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O ar gélido precipitava sobre os cerca de vinte mercenários que caminhavam à beira do rio de águas negras, o rugido feroz entoando o hino do bosque naquelas primeiras horas da manhã. O bando seguia sem pressa, deixando para trás um rastro de lama sobre a camada fina de neve, com Carmine liderando o caminho, acompanhada de perto por Orson, que segurava um archote para iluminar a trilha escura, e atrás por Gilliam.

Como Carmine havia imaginado, a Confraria não gostou muito quando lhes dissera que seu tempo no grupo estava contado, mas logo decidiram entre si quem haveria de acompanhá-la no que poderia ser a última missão entre eles. Teriam vindo todos, mas o contrato com a abadia obrigava a presença de ao menos parte da companhia em suas dependências o tempo inteiro. Ao deixar o templo pelo que poderia ser a última vez, despedindo-se dos amigos que não a veriam novamente, sentira-se estranhamente melancólica. Não sabia desde que momento aquele lugar passara de prisão a lar, mas deixar tudo para trás havia sido mais difícil do que imaginava.

Gilliam, com uma expressão entorpecida, carregava Nicoleta sobre os ombros, ainda muito fraca para andar por conta própria. A garota olhava para os lados constantemente, como se esperasse que uma fera selvagem pulasse dos arbustos a qualquer momento.

"Para alguém que comuna com fantasmas, ela não parece ter muita experiência com o mundo exterior." - pensou Carmine, enquanto abria caminho entre os galhos desfolhados.

– Estamos perto? – perguntou o arqueiro, tentando esticar o pescoço. – Você é magrinha, mas pesa mais do que parece.

– Isso foi rude – respondeu Nicoleta, firmando os calçados sobre as costelas do mercenário. – Raab diz que chegaremos em breve. Mais dez minutos nessa direção.

– Então, já podemos saber quem é Raab? – perguntou Orson a Carmine, deixando escapar um longo bocejo. – Você sabe que a seguiríamos onde quer que fosse, mas iria preferir saber o que estamos caçando.

– Saberemos quando chegarmos lá – respondeu, evitando a pergunta de propósito. Carmine temia perder créditos com seus companheiros se tentasse explicar quem Raab era, embora já tivesse se convencido de que o amigo invisível de Nicoleta era real.

O grupo seguiu pela trilha por mais algum tempo, até que Nicoleta pediu para virarem à direita em um pequeno entrocamento, em direção a uma clareira em meio às árvores. Lá, encontraram uma pequena choupana de madeira, já parcialmente encoberta pela neve.

– É aqui – disse Nicoleta, com um tom grave em sua voz. – Raab diz que aqui mora o homem que primeiro a viu cair do céu. Ele o viu investigar a margem do rio por dias a fio, para provar você existia. Ele encontrou a máquina que procura, e a trouxe consigo.

Carmine se aproximou da construção e notou que a porta se encontrava entreaberta. Orson empurrou a maçaneta e ela se abriu com um estalo alto, revelando um monte de neve acumulada que há muito se espalhara pelo interior da cabine. O gelo derretera em alguns pontos do cômodo, tornando a madeira do piso inchada e retorcida. Ademais, a choupana parecia habitada apenas por mofo.

– Está abandonada – resmungou Gilliam, torcendo o nariz. – Se alguém me disser que fizemos todo esse caminho por nada, eu ficarei muito, muito chateado.

– A gente ainda nem começou a vasculhar – respondeu Orson, apoiando seu archote sobre a mesa, de forma a iluminar a sala. – Por que você está tão rabugento, afinal? Nicoleta está te deixando com tesão?

– Não! Quer dizer, não que eu não te ache atraente, senhorita.

Carmine reparou que o rosto de Nicoleta se fez cor de amora. Ela se balançou sobre os ombros de Gilliam e sinalizou para o solo, nervosa.

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