PARTE 3 / CAPÍTULO 14: RAIAR DE MIL SÓIS

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Com apenas um rabisco, Ion passara de um simples camponês para um dos reis mais poderosos de toda a Valáquia. A vida de mais de cem mil pessoas passava a depender inteiramente de suas decisões, era tudo o que mais havia desejado durante toda a sua vida.

E agora, se via completamente aterrorizado.

Todos haviam deixado a sala, com a exceção de Katia e Henri. Grigore havia se ajoelhado diante dele e jurado os seus mais leais serviços até o dia em que morresse, e Henri havia finalmente tomado um lugar à mesa, teve os seus ferimentos novamente tratados e deixado para descansar e conversar com Ion agora que a parte mais formal da assinatura havia terminado.

Katia pôs a mão sobre a sua e lhe falou com uma voz doce:

– Como está se sentindo?

"Como se fosse mijar nas calças."

– Estou sentindo o peso da responsabilidade. Eu... nunca achei que isso fosse se tornar realidade, nem nos meus sonhos mais alucinados. Ainda nem sei se estou acreditando, na verdade – voltou-se ao ferreiro, que se perdia em devaneios sobre o seu assento. – Henri, por que você não me falou antes?

– Antes, você era muito novo para entender o que ser um nobre realmente significava. Quando ficou mais velho, tornou-se ambicioso demais para carregar a informação com segurança. Eu tinha medo de você desafiar Dimitrier, pois eu sabia o que ele faria contigo caso descobrisse as suas origens... eu... me perdoe, eu deveria ter te contado.

Henri estava certo, ele teria desafiado Dimitrier. Ion se deu conta de que havia sido enviado por Mihai como um vassalo para se apresentar nos salões de seu próprio castelo e Stefan dera a ele condições muito parecidas com as que havia oferecido a seu pai, um pedaço de terra sem valor em troca de sua lealdade. Lembrou do quanto ficara feliz ao receber a oferta, e o quanto ela o enojava agora que sabia que o lorde estava ciente de sua linhagem.

– Não, você tinha razão. O que aconteceu com meus pais? Como eles morreram?

– Irina morreu ao dar a luz a você e seu pai a seguiu alguns poucos anos depois, acho que não conseguiu aprender a viver sem ela – de sua boca abriu-se um sorriso nostálgico e seus olhos se encheram de lágrimas. – Eu sinto falta deles, às vezes é mais do que dá pra suportar.

Ion o tocou no ombro. Seus sentimentos por Henri não haviam mudado agora que sabia que eles compartilhavam o sangue, pois ele sempre se mantivera próximo.

– Obrigado, você sempre cuidou de mim, mesmo quando eu me distanciava, quando eu mentia. Você foi minha família mesmo antes de eu saber quem eu realmente era.

O ferreiro sorriu para ele.

– Como eu não o seria, mestre? Eu vi você crescer, um moleque magricela se transformar em um homem bom e esperto, aprender o verdadeiro valor da caridade, a realidade de não se ter nada. Você será um bom lorde.

– Serei?

Por que não seria? Ion possuía contatos que se distribuíam por reinos muito além das províncias gêmeas, sabia em quem confiar e a quem buscar por favores. Conhecia a maior parte dos comerciantes de seu próprio território e, embora nunca os houvesse visto pessoalmente, também sabia o nome de todos os nobres de relevância da corte. O gosto pela política que ousara nutrir por toda a vida finalmente daria frutos. Acima de tudo, faria o que estivesse a seu alcance para que a morte e a destruição que testemunhara nos últimos dias nunca se tornasse realidade novamente.

Ion se levantou da mesa com um ímpeto explosivo, esquecendo-se momentaneamente do ferimento na perna. O joelho vacilou, mas Katia o segurou antes que caísse.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora