PARTE 2 / CAPÍTULO 10: UMA VISITA INESPERADA

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Grigore chegou por volta do meio-dia, um destacamento de quatro cavaleiros escoltava o veículo do abade. Mihai se dirigiu ao sobrado que dava para o átrio e pôde ter um vislumbre da chegada do pequeno grupo ao pátio central. O homem que montava o maior e mais belo dos animais foi o primeiro a desembarcar. Sir Isaac Irgalmas, primo de Dimitrier e chefe de sua guarda, aportou em seu impressionante corcel branco com a mesma sutileza de um tornado, conduzindo uma formação de três subalternos em montarias menores. O cavaleiro era o único que não portava um estandarte contendo o brasão amarelo dos Dragoi: uma fortaleza sob um sol poente circundada por tranças de margarida.

Rapidamente Mihai mandou chamar o cavalariço e o pediu para recolher as montarias e as levar aos estábulos enquanto ele oferecia seus cumprimentos à comitiva do abade. Isaac já havia saltado de sua égua e descalçava as manoplas de aço perolado quando o monge se aproximou. O brilho fosco e esbranquiçado da armadura combinava com o aço igualmente suntuoso de seu cavalo. As rédeas possuíam pedras preciosas bordadas a fios de ouro, enquanto marfim e madrepérolas lhe decoravam os flancos e o dorso. A viseira do cavaleiro se encontrava levantada, revelando os tenros e sorridentes olhos azuis que haviam por baixo, não deveria ter mais de dezesseis anos.

- Ora, que santíssima imagem se aproxima para receber-me. Irmão Mihai, golpeia-me de felicidade ao vir em pessoa – saudou-o o cavaleiro, curvando-se para lhe beijar os dedos.

Um tratamento exageradamente respeitoso, mas o monge não se incomodou em oferecer-lhe a mão.

- Por que te sensibilizas com uma mera cortesia? Reserve esse tratamento para o abade, sou apenas um encarregado.

- Fazes o trabalho dele, tens portanto direito ao mesmo tratamento – retrucou Isaac, entregando o elmo, manoplas e capa ao jovem cavalariço magricela. – Sem querer abusar da hospitalidade, espero que tenhas preparado um banquete. Encontro-me em tal fâmia que seria capaz de almoçar Aurora aqui.

Ele bateu com carinho no pescoço do animal. A égua relinchou de leve.

- Faltou-nos recursos e tempo para preparar algo com a qualidade do que te alimentas na corte, cavaleiro. Rafaella nos prepara um ensopado de esturjão. Não é exatamente faustuoso, mas o pescado é fresco do Danúbio. Creio que ao menos conseguirás forrar a barriga.

- Ah, de fato! Mas sinto pelos esforços de tua criada, meu amigo, nenhum peixe me impressiona desde que experimentei a cavalinha preparada nas fornalhas de Alexandria. Comi uma vez numa visita ao castelo de meu tio, coisa fina. Aquilo, eu digo, era algo de trazer lágrimas ao rosto. Em comparação, as crias do Danúbio têm gosto de alga frita.

- Os petiscos mouros são mesmo famosos pelo sabor refinado – respondeu Mihai com um sorriso, engolindo o mascarado insulto à sua comida.

Em sua armadura completa e corcel de batalha, Isaac era tão imponente e robusto quanto qualquer cavaleiro veterano, mas Mihai sabia que metal algum, por mais caro que fosse, seria capaz de fazer desaparecer o adolescente que ele escondia por debaixo. Não importava quantas aulas de boas maneiras seus inúmeros mestres haviam-no feito passar, não se podia culpar um garoto por falta de discrição, coisa inerente à sua idade.

- Espero que um dia eu tenha a oportunidade de experimentar a iguaria da qual fala, com licença.

A essa hora o carro de Grigore já estava quase alcançando a praça que dava para o átrio da abadia. O veículo balançava freneticamente em meio a uma nuvem de poeira, acelerando ao ritmo dos seis cavalos que o carregavam. O cocheiro emplumado que guiava os animais puxou as cordas do arreio com força e estalou a língua, intimando-os a frearem. Após a espessa nuvem de poeira assentar, Mihai se adiantou à abertura lateral do veículo e estendeu a mão para ajudar Grigore a se arrastar para fora.

Neve MaculadaOnde histórias criam vida. Descubra agora